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42 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 “mas tardam a aparecer nas estatísticas” 26 . Na realidade, nas estatísticas da econo- mia tecnologicamente mais avançada no mundo – a nor- te-americana – o que se pode ler entre 1995 e 2014 é uma redução das taxas de cresci- mento da produtividade. No entanto, o espaço público encontra-se saturado de anúncios da chegada de batalhões de robots inteligentes dispostos a produzir muito por pouco dinheiro e a empurrar os humanos para as fileiras das reservas do exército industrial. Na expetativa de contribuir para a melhoria de qualidade do debate acerca das conse- quências no emprego e no trabalho das novas tecnolo- gias, evocámos controvérsias passadas. Desse exercício decorre, em primeiro lugar, como facto pouco mais do que curioso, que as narra- tivas sobre o fim do trabalho que predominam no espaço mediático a serem tributárias de alguma herança teórica, são-no muito mais de Marx do que dos economistas apologistas incondicionais do progresso tecnológico que habitual- mente inspiram a maioria dos comentários económicos nesse mesmo espaço mediá- tico. Decorre, em segundo lugar, que a ‘compensação’ da destruição de emprego pela mecanização depende de instituições capazes de alinhar o crescimento da produtividade do trabalho e dos salários e não dos meca- nismos de mercados desim- pedidos. 26 Carvalho da Silva; Manuel, Hespanha, Pedro; Teles, Nuno e Caldas, José Castro (2017), “Introdução” in Carvalho da Silva; Manuel, Hespanha, Pedro e Caldas, José Castro (Coords.) (2017), Trabalho e Políticas de Emprego – um Retrocesso Evitável , Lisboa: Actual, pp. 16-33 Decorre, em terceiro lugar, que a tecnologia em si mesma não é determinante de nenhuma senda de sen- tido único, dependendo os seus impactos do contexto institucional em que ocorre a inovação. A confirmar-se, no futuro, uma aceleração da substituição de trabalho vivo (de seres humanos) por trabalho morto (equipamento) nos processos produtivos, três cenários se perfilam. No primeiro, dependente do crescimento, os ganhos de produtividade são absorvidos proporcionalmente pelos salários e transforma- dos em procura de mais (e eventualmente outros) bens e serviços. No segundo, inde- pendente do crescimento, o direito ao trabalho é asse- gurado por uma repartição equitativa do trabalho social. No terceiro, o trabalho e o emprego são transformados em privilégio e aqueles a quem o direito ao trabalho for negado são sustentados por subsídios financia- dos por impostos incidentes no rendimento dos que trabalham e nos lucros dos donos de robots . A tecnologia, como sabemos, transporta consigo riscos que deveriam ser mais apertada- mente escrutinados do que são. Mas os robots , mais ou menos inteligentes, em si mesmos, são inimputáveis pelas consequências que podem ter no emprego. Essas consequências, dependem do contexto insti- tucional em que a inovação ocorre. E a evolução do con- texto institucional depende de escolhas políticas. … ‘compensação’ da destruição de emprego pela mecanização depende de instituições capazes de alinhar o crescimento da produtividade do trabalho e dos salários e não dos mecanismos de mercados desimpedidos. … a tecnologia em si mesma não é determinante de nenhuma senda de sentido único, dependendo os seus impactos do contexto institucional em que ocorre a inovação. E a evolução do contexto institucional depende de escolhas políticas. Não sabemos se estamos ou não perante uma vaga tecnológica comparável em consequências às experimentadas no passado. “Os robots podem estar por todo lado”, como noticia a comunicação social, “mas tardam a aparecer nas estatísticas”

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