cultivar_22_Final_PT

44 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 priedade e conhecimento – foram reconfigurando, por decisão púbica, por iniciativa das elites sociais e econó- micas, ou por necessidade e capacidade das comunida- des locais, as relações entre os três vértices do triângulo ecologia-comunidade-eco- nomia. Por outro lado, com uma estabilização precoce das fronteiras políticas no contexto europeu, o papel geoestratégico de uma ocupação sistemática do ter- ritório nacional através de políticas de povoamento, embora reconhecido como relevante em termos militares, teve um impacto delimitado no tempo e no espaço. Neste contexto, a história demográfica dos diversos espaços rurais do país – ocupação (densidade), estrutura etária e familiar, composição social, movimentos migratórios e dinâmicas de evo- lução – reflete, no essencial, as condições ecológicas prevalecentes em cada um deles e o modo como as respostas socioeconómi- cas desenvolvidas ao longo dos tempos, localmente ou a partir do exterior (de que o vale do Douro é, talvez, o melhor exemplo), foram combatendo, potenciando e superando essas condições biofísicas ou, simplesmente, sujeitando-se a elas. Este Portugal rural tradicional, o país da geo-história, da oposição entre o Portugal Atlântico e o Portugal Mediterrâneo (Orlando Ribeiro), entre o Portugal senhorial e o Portugal dos concelhos (José Mattoso) ou, mais prosaicamente, entre o Norte e o Sul, é o Portugal demográfico que vai persistir até meados do século XX. Se excetuarmos períodos temporal- mente delimitados relativos a situações de natureza conjuntural (guerras, epidemias), a população foi aumentando gradualmente na generalidade das áreas rurais, ainda que a ritmos diferenciados, gra- ças à manutenção de altas taxas de natalidade, que compensavam quer a elevada mortalidade infantil quer o êxodo rural para o estrangeiro, para as cidades ou mesmo para outras áreas rurais mais dinâmicas. Pampilhosa da Serra é um dos municípios pioneiros a interromper esta tendência secular: a população resi- dente atingiu o máximo no Censo de 1940 (cerca de 15 500 pessoas), diminuindo desde então de forma sistemática. Localizada em plena Cordilheira Central, com condições biofísicas e de acesso particular- mente difíceis, o total de habitantes recenseados em 2011 não atingia os 4 500 habitantes, ou seja, menos de 1/3 da população existente sete décadas antes. Mais impressionante ainda é a quebra do total de crianças commenos de 14 anos residentes no conce- lho verificada entre 1900 (cerca de 4 300) e 2011 (321). Não foi apenas Pampilhosa da Serra que atingiu o pico demográfico há quase oito décadas. A mesma tendência ocorre, ainda que em moldes menos drásticos, em muitos outros municípios, nomea- damente do Alentejo, onde a destruição de solos pro- vocada pela Campanha do Trigo dos anos 1930 vai iniciar um ciclo de retração demo- gráfica, para o qual irão convergir fatores distintos ao longo do tempo. O despovoamento enquanto problema estrutural nasce, assim, como consequên- cia da saturação de um modelo de sociedade rural alicerçado em sistemas agrícolas cuja sobrevivência apenas era possível com base em situações extre- mas de pobreza e dureza das condições de vida. E, naturalmente, essa falência expressa-se primeiro em áreas onde a base ecológica e a capacidade de resposta por parte das comunidades locais restrin- giam fortemente a possibilidade ou capacidade de construir uma nova relação ecologia/comunidade/ economia, suscetível de manter dinâmicas demo- gráficas positivas. … a história demográfica dos diversos espaços rurais do país reflete … as condições ecológicas prevalecentes em cada um deles e o modo como as respostas socioeconómicas desenvolvidas ao longo dos tempos foram combatendo, potenciando e superando essas condições biofísicas ou, simplesmente, sujeitando-se a elas. O despovoamento enquanto problema estrutural nasce, assim, como consequência da saturação de um modelo de sociedade rural alicerçado em sistemas agrícolas cuja sobrevivência apenas era possível com base em situações extremas de pobreza e dureza das condições de vida.

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