CULTIVAR 26 - Agricultura biológica e outros modos de produção sustentável

O silêncio da inocente primavera de Rachel Carson 115 Um dos principais pesticidas analisados no livro é o DDT 5 que, sintetizado em finais do século XIX, come- çou a ser utilizado mais amplamente como inseti- cida durante a Segunda Guerra para conter surtos de malária e tifo entre tropas e populações, com pulve- rização direta de pessoas e coisas. Salvou-se assim muita gente (à época, morriam mais soldados com estas doenças do que do próprio conflito) e, quando a guerra acabou, embora alguns cientistas tenham alertado para potenciais riscos, o DDT passou a ter uma vasta utilização comercial como pesticida e inseticida doméstico no combate a pragas, como a da formiga-de-fogo 6 , em aplicação direta para prote- ção de edifícios e, sobretudo, na agricultura através de uma difusão muito alargada com aspersão por avionetas 7 , por exemplo. Num cartoon que surgiu após a publicação do livro, insinuava-se que, levando às últimas consequências o que Rachel Carson dizia, não nos restaria mais do que comer bolota, mas na verdade ela não fala da eliminação de nenhum pesticida, nem sequer do DDT. Limita-se a dizer que a sua utilização não deve ser feita com “ força bruta ”, mas antes controlada, localizada e adequada à dimensão da ameaça, 5 Dicloro-Difenil-Tricloroetano, embora o livro fale de muitos outros, nomeadamente o paratião, que só seria banido na União Europeia em 2001. 6 Um exemplo da campanha contra esta espécie, execrada por Carson no livro, será esta curiosa curta-metragem de 1959 do Departamento de Agricultura dos EUA sobre a disseminação e programa de erradicação desta formiga, importada para o país na década de 1940: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:16-p-1402-2_Fire_Ants_on_Trial.webm 7 Finda a guerra, havia excedentes de aeronaves e pilotos que foram direcionados para este trabalho. 8 O conhecimento, e respetivos conceitos, está sempre a evoluir: nessa altura, como referem Edward O. Wilson ou Al Gore em prefácios e posfácios de edições posteriores da obra, a palavra “ambiente” não fazia sequer parte do vocabulário das políticas públicas e “conservação” utilizava-se apenas de modo restrito; a palavra “biodiversidade” não existia (surgiu em 1986); já “ecologia” vem de 1890 e “evolução” de 1859; a ciência dos sistemas terrestres só agora está a surgir (a tectónica de placas vem do início do século XX, mas apenas foi confirmada na década de 1970). Aqueles que advogam a existência de um novo período da história da Terra, o Antropoceno, também consideram o livro um marco fundamental. tendo em atenção a proteção não só do ambiente, mas também do consumidor e dos múltiplos negó- cios que dependem da cadeia biológica, e de modo a não provocar resistências nos organismos-alvo, resistências essas que já se estavam a registar em diversas circunstâncias (Cap. 16). A sua visão não é simplesmente ecológica, mas também económica, aproximando-se da atual proteção integrada. O livro ajudaria a relançar o movimento ambienta- lista 8 nos Estados Unidos e no mundo, mas sofreu também essa reação contrária já esperada, mas muito veemente (o jornal The New York Times cha- mou mesmo a este período “ o verão ruidoso” depois da primavera silenciosa), tendo sido objeto de diversos processos jurídicos e tentativas de descre- dibilização da autora. Foi também importante para provocar uma reflexão mais generalizada sobre a excessiva utilização de químicos como paliativo dos mais diversos problemas. A autora insurge-se sobre- tudo contra o objetivo de “ controlo da natureza ” (Cap. 17) defendido com arrogância por uma parte da indústria química e por alguns cientistas, salien- tando ainda a necessidade de mais fundos públicos para a investigação destes temas. Então como agora, teria sido melhor que, em vez de ignorar a mensagem e tentar matar o mensageiro (ver, por exemplo, o caso da talidomida, referido mais adiante, ou o do tabaco), a reação da indústria fosse procurar investigar as alegações feitas e melho- rar as suas práticas. Infelizmente, as razões económi- cas de curto prazo nem sempre coincidem com uma racionalidade de mais longo prazo e a perspetiva de perda de lucros imediatos pode turvar o raciocínio. Felizmente, muitas empresas têm vindo a compreen-

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