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CULTIVAR CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA N.27 | janeiro 2023 | C ustos de contexto

CULTIVAR Cadernos de Análise e Prospetiva

CULTIVAR Cadernos de Análise e Prospetiva N.º 27 | janeiro de 2023 | Custos de contexto Propriedade: Gabinete de Planeamento, Politicas e Administração Geral (GPP) Praça do Comércio, 1149-010 Lisboa Telefone: + 351 213 234 600 e-mail: geral@gpp.pt | website: www.gpp.pt Equipa editorial: Coordenação: Ana Sofia Sampaio, Bruno Dimas, Eduardo Diniz Ana Filipe Morais, Ana Rita Moura, António Cerca Miguel, João Paulo Marques, Manuel Loureiro, Pedro Castro Rego, Rui Trindade e-mail: cultivar@gpp.pt Colaboraram neste número: Armando Torres Paulo, Cristina Hagatong, Cristina Neves, Fátima Leitão, Filipe Charters de Azevedo, Gijs Schilthuis, John William Stilwell, José Correia, José Costa, José Vasco Serrano, Luís Barreiros, Luís Bulhão Martins, Luís Mira, Manuel Chaveiro Soares, Maria Inês Nolasco, Pedro Pimenta, Pedro Serrano, Petros Angelopoulos, Vítor Rodrigues Edições anteriores: https://www.gpp.pt/index.php/publicacoes-gpp/cultivar-cadernos-de-analise-e-prospetiva Edição: Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) Execução gráfica e acabamento: Sersilito – Empresa Gráfica, Lda. Tiragem: 1 000 exemplares | Edição gratuita Periodicidade: quadrimestral ISSN: 2183-5624 Depósito Legal: 394697/15

CULTIVAR Cadernos de Análise e Prospetiva N.º 27 janeiro de 2023 Custos de contexto

Índice 7/10 | EDITORIAL SECÇÃO I – GRANDES TENDÊNCIAS 13/23 | SIMPLIFICAÇÃO & POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM: UMA NOVA ABORDAGEM SIMPLIFICATION & THE COMMON AGRICULTURAL POLICY: A NEW APPROACH Petros Angelopoulos e Gijs Schilthuis 25/29 | CUSTOS DE CONTEXTO NA AGRICULTURA: UMA ANÁLISE PROVOCADORA E REALISTA Filipe Charters de Azevedo 31/36 | CUSTOS DE CONTEXTO NO SECTOR AGRÍCOLA PORTUGUÊS Pedro Serrano 37/42 | CUSTOS DE CONTEXTO NA AGRICULTURA FAMILIAR: ORIGENS E ALGUMAS SOLUÇÕES Vítor Rodrigues 43/46 | INEFICÁCIA ADMINISTRATIVA DO ESTADO PERANTE O SETOR AGRÍCOLA: UM CUSTO DE CONTEXTO NUM CONTEXTO DE CRISE Luís Mira SECÇÃO II – OBSERVATÓRIO 49/57 | CUSTOS DE CONTEXTO: A PERSPETIVA DAS EMPRESAS Cristina Neves 59/70 | O QUE PENSAM OS AGRICULTORES Pedro Pimenta, John William Stilwell, Luís Bulhão Martins, Armando Torres Paulo, Manuel Chaveiro Soares e José Correia

6 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto 71/75 | OS CUSTOS DE CONTEXTO E A IMPLEMENTAÇÃO DA PAC: VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CUSTOS SIMPLIFICADOS Luís Barreiros 77/81 | SISTEMAS DE INFORMAÇÃO E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A REDUÇÃO DE CUSTOS DE CONTEXTO Fátima Leitão 83/85 | CONTRIBUTOS PARA UMA PECUÁRIA MAIS COMPETITIVA Manuel Chaveiro Soares SECÇÃO III – LEITURAS 89/93 | CUSTOS DE CONTEXTO E DESEMPENHO DAS EMPRESAS PORTUGUESAS Síntese do documento com o mesmo nome, de João Amador et al., Banco de Portugal, 2019 por Ana Rita Moura 95/98 | A EVOLUÇÃO DA QUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA 1974-2004 Breve síntese e atualização do artigo de Maria Inês Nolasco, Cadernos BAD 2, 2004, por Manuel Loureiro e Maria Inês Nolasco 99/102 | BALCÕES ÚNICOS PARA CIDADÃOS E EMPRESAS Síntese do documento One-Stop Shops for Citizens and Business, OCDE, 2020, por José Vasco Serrano 103/105 | A PAC E O TRABALHO ADMINISTRATIVO DOS AGRICULTORES: UMA COMPARAÇÃO FRANÇA-ESPANHA Síntese do artigo com o mesmo nome, de Blandine Mesnel et al., Ministério da Agricultura e da Soberania Alimentar, França, 2022, por Ana Filipe de Morais 107/109 | SOCIALIZAR PARA A BIODIVERSIDADE ATRAVÉS DA NEOLIBERALIZAÇÃO DA PAC? Síntese do artigo com o mesmo nome, de Blandine Mesnel, Développement Durable et Territoires, 2018, por João Paulo Marques 111/114 | CONFLITOS, FENÓMENOS EXTREMOS, BUROCRACIA E FALTA DE FINANCIAMENTO AGRAVAM A INSEGURANÇA ALIMENTAR NO MUNDO Breve síntese do relatório da FAO/Programa Alimentar Mundial sobre focos de fome no mundo, 2022

7 Burocracia, custos administrativos, custos de contexto são expressões que ecoam nas preocupações dos agentes económicos. Mas estes conceitos têm significados e justificações diferenciadas. A burocracia moderna no seu sentido formal (weberiano) é um conjunto racional de organização administrativa e também um meio indispensável para o funcionamento do Estado, dos vários serviços públicos e das atividades económicas privadas. Ou seja, não está em causa a legitimidade da burocracia ou de custos administrativos, que se relacionamcom interesses públicos, que têmque ser garantidos para o funcionamento em sociedade, onde se verifica uma crescente integração na economia global, cada vez mais complexa. Onde se situam, muitas vezes, as reclamações é no campo de procedimentos oficiais considerados desnecessários oumorosos, os quais se tornamobstáculos à competitividade empresarial. É neste campo, o dos custos de contexto, que se centra a presente edição da CULTIVAR – Cadernos de análise e prospetiva. O âmbito da nossa análise circunscreve que os custos de contexto correspondem a efeitos negativos decor1 Custos de contexto: a perspetiva das empresas, INE, 2015. rentes de regras, procedimentos, ações e/ou omissões que prejudicam a atividade das empresas e que não são imputáveis ao investidor, ao seu negócio ou à sua organização.1 No caso do setor agroalimentar, o risco de exposição a estes custos é grande, tendo em conta a extensão da cadeia de valor e também o facto de esta ser uma área de atividade económica multidisciplinar. Com efeito, o agroalimentar envolve o uso de recursos naturais, trabalho e capital e produz bens essenciais para toda a população. Deste modo, existe um nível de regulaçãoelevadoaonível daproteçãoambiental, na garantia da segurança alimentar e das regras do trabalho, no ordenamento do território, e ainda nas exigências no recurso ao financiamento, incluindo aos incentivos públicos. Aos controlos prévios ao exercício da atividade, caso dos licenciamentos de construções, de ocupação e uso do solo, somam-se um conjunto de controlos e inspeções sobre o próprio exercício corrente da atividade, caso de declarações da rastreabilidade na produção pecuária ou as exigências para transporte de bens, o recurso ao crédito e aos apoios públicos ao rendimento e investimento previstos na Política Agrícola Comum (PAC). Estes são vários exemplos de Editorial EDUARDO DINIZ Diretor-geral do GPP

8 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto processos com uma relevante carga administrativa sobre o setor, que em caso de ineficiência, ou redundância, podem dificultar a viabilidade das explorações e da indústria transformadora. As ferramentas digitais têm o potencial de contribuir para a simplificação processual, embora, como verificamos em vários dos textos apresentados, a complexidade dos processos esteja mais assente nas exigências apriorísticas, ou seja, no enquadramento legal e na sua interpretação, do que nas ferramentas de diálogo entre as instituições e o particular. As Grandes Tendências começam com um artigo de Petros Angelopoulos e Gijs Schilthuis, da Comissão Europeia, que aborda a questão da simplificação da PAC, primeiro de uma perspetiva histórica, elucidando não só as várias tentativas e vagas de simplificação que foram ocorrendo desde a sua criação, e sobretudo a partir da década de 1990, mas também as complexidades que tiveram de ir sendo introduzidas para responder a questões de sustentabilidade ambiental ou social. Estas sucessivas tentativas resultaram de um trabalho conjunto das instituições europeias, nacionais e de todas as partes interessadas, mas os autores reconhecem, recordando Phil Hogan, que não foram muito bem-sucedidas. “Pelo contrário, a pressão ambiental sobre a agricultura e a reforma de 2013 (greening) constituíam um desafio crescente que exigia uma nova resposta”, o que esteve na origem da proposta de “‘um novo modelo de prestação’ para a PAC”: os Planos Estratégicos nacionais. Pretendia-se “uma política mais orientada para o desempenho e para os resultados e que fosse também mais simples de administrar”. A concluir, os autores consideram que “é ainda demasiado cedo para se tirarem conclusões definitivas” quanto à efetiva simplificação trazida por esta nova abordagem, que variará certamente com as opções feitas por cada Estado-Membro. Filipe Charters de Azevedo lança um desafio “provocador”, como o próprio autor afirma, considerando “que os subsídios são os verdadeiros custos de contexto, promovem produções não rentáveis, hábitos de consumo desajustados e penalizam a inovação”, não permitindo que a agricultura realize o seu verdadeiro potencial económico. Partindo dessa premissa, analisa depois o desempenho dos subsídios da perspetiva da União Europeia, em termos de efeito sobre os preços e sobre a produção e interroga-se sobre quem são os efetivos beneficiários da PAC, “80% dos fundos europeus para a agricultura vão para apenas 20% dos produtores”. Analisa também brevemente o impacto sobre a fixação das populações, afirmando que “o país colapsou para o litoral. Com o atual sistema de incentivos agrícolas não estamos a fixar ninguém fora das grandes faixas urbanas.” Advoga a concluir que a “melhor forma de resolver todas estas questões é deixar o mercado funcionar”, embora reconhecendo que “à exceção da Nova Zelândia (e mesmo este país tem algumas especificidades), não há nenhuma região agrícola no mundo ocidental que não tenha os seus apoios à agricultura”, e apresenta algumas sugestões de ação governativa. O artigo de Pedro Serrano, da AGRO.GES, começa por abordar os diversos conceitos em torno da noção de “custos de contexto”. Debruça-se depois sobre o que se passa no setor agrícola, referindo a carga burocrática exacerbada, nomeadamente, pelo grande número de entidades envolvidas nos processos, pela falta de articulação entre elas e pela ausência de informação ao interessado; pela morosidade “na análise e decisão de candidaturas e pedidos de Fotografia de Artur Pastor – Armazém com sacos de arroz e técnico a proceder à colheita de amostras para inspeção, Estação de Orizicultura, Muge, Salvaterra de Magos, 1963, acervo do GPP

Editorial 9 pagamento”; por “um foco das entidades decisoras na minúcia do processo administrativo e burocrático, (…) e não na concretização real dos objetivos dos projetos apoiados.” Reconhece que algumas destas circunstâncias resultamde uma legislação europeia que permite que os produtos europeus atinjam um elevado nível de qualidade, mas sublinha que gera problemas de competitividade para os agricultores. Antes de concluir destacando a difícil conjuntura atual, refere ainda outros aspetos específicos de Portugal, como os relativos à fiscalidade, tanto em termos de carga fiscal como de demora nos procedimentos, à energia, ao financiamento, à pequena dimensão das explorações e ao acesso ao conhecimento. No artigo de Vítor Rodrigues, da CNA, depois de uma breve exposição sobre o que é a agricultura familiar, é feito um levantamentomuito exaustivo dos custos de contexto que mais a afetam, associando-os à tipologia criada pelo INE, mas acrescentando “quatro grandes domínios de origem dos custos de contexto” neste tipo de agricultura: interioridade, articulação com os mercados, normativos e políticas públicas. No final desse levantamento, o autor constata que “as duas grandes origens de custos de contexto são a interioridade e as políticas públicas, ou a falta delas.” Explica depois as razões pelas quais as políticas públicas “são a grande causa dos custos de contexto da [agricultura familiar] e, simultaneamente, o instrumento fundamental para a sua mitigação ou anulação.” A concluir, apresenta as propostas que a CNA tem feito no passado e que agora reitera para procurar reduzir os custos referidos, permitindo assim que a agricultura familiar possa “cumprir as funções económicas, sociais e ambientais que lhe estão associadas”. A fechar esta secção, Luís Mira, da CAP, sublinha a importância dos custos de contexto num mercado cada vez mais competitivo e global. Remetendo para o Inquérito aos Custos de Contexto do INE, centra-o na atividade agrícola, relevando as questões ligadas ao sistema judicial, aos recursos humanos, “às telecomunicações, à distribuição de eletricidade, às vias de comunicação” e, sobretudo, à “‘carga administrativa’ e ‘licenciamentos’”, sendo estes dois últimos aspetos particularmente relevantes, dada a pequena oumédia dimensão e o caráter familiar de uma parte significativa das explorações nacionais. Segundo o autor, essa carga administrativa, resultante da forte regulamentação exigida pela União Europeia, é agravada em Portugal pela falta de coordenação entre as tutelas (Agricultura e Ambiente) e pela complexidade e morosidade de cada uma delas. Estes problemas “minam a confiança dos agricultores perante o sistema, (…) para além de afetarem a modernização do setor e a sua contribuição para o desenvolvimento da nossa economia”. Refere ainda como agravantes aquilo a que chama “tendências regionalistas (…) sem (…) qualquer lógica de eficiência” e a “falta de auscultação do setor”. No Observatório, Cristina Neves, do INE, explica o que se pretende com o Inquérito aos Custos de Contexto na perspetiva das empresas, fazendo em seguida uma descrição da sua edição de 2021 em que salienta os principais resultados obtidos, nos nove domínios analisados, por setor de atividade económica, dimensão da empresa e localização geográfica NUTS I. No final, é feito, nas palavras da autora, um zoom às empresas do setor da agricultura, silvicultura e pescas, revelando os principais custos de contexto sentidos por estas, que se centram sobretudo nas questões ligadas aos licenciamentos, ao sistema judicial e ao sistema fiscal. Aspetos relativos às barreiras à internacionalização, ao financiamento e às indústrias de rede “constituíram obstáculos mais reduzidos à atividade damaioria das empresas deste setor”. No que se refere aos “Licenciamentos, verifica-se que as componentes Certificação ambiental e Licenças ambientais foram aquelas que as empresas do setor (…) percecionaram como sendo as que causam mais entraves à sua atividade”, em particular a proporcionalidade e aderência das exigências administrativas. Por outro lado, “Recursos humanos [sobretudo Contratação de trabalhadores] e Indústrias de rede (…) registaramos aumentos mais significativos no mesmo período”. Num artigo em que, à semelhança de anteriores edições da CULTIVAR, procurámos auscultar diretamente o que pensam os agricultores sobre este tema algo difícil e controverso, Pedro Pimenta, John WilliamStilwell, Luís BulhãoMartins, Armando Torres Paulo, Manuel Chaveiro Soares e José Correia aceita-

10 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto ram comentar as perguntas que propusemos como mote e apresentam as suas perspetivas, a partir de experiências comuns e simultaneamente diversas, oferecendo igualmente sugestões de como resolver de futuro algumas das situações referidas como problemáticas. Luís Barreiros, do GPP, salienta que a redução de uma carga administrativa que envolve custos tanto para os beneficiários como para a própria administração é, desde há muito, uma prioridade da União Europeia. No entanto, sublinha também que “se, por um lado, foi possível simplificar tirando partido da tecnologia, da mudança de processos e da atualização das obrigações, por outro lado, o aumento das exigências e os novos objetivos de política que foram sendo trazidos para a PAC aumentaram a sua complexidade.” Elucida em seguida os dois grandes grupos de medidas existentes – “as medidas SIGC (Sistema Integrado de Gestão e Controlo) e as medidas não SIGC” –, o que exigem em termos de gestão operacional e como esta temvindo a ser simplificada no primeiro caso, sendo essa simplificação mais difícil no segundo. No que se refere às medidas de apoio ao investimento, mostra depois como uma solução para este problema pode passar pelas opções de custos simplificados (OCS), relatando as abordagens já em curso, com respetivas vantagens e limitações, e como poderão vir a desenvolver-se no futuro. “Uma transformação deste tipo dá uma maior previsibilidade aos investidores, não só quanto aos prazos de decisão e de execução do investimento, mas também quanto aos valores a receber.” No artigo de Fátima Leitão, do IFAP, a autora fala do impacto que a transformação digital tem vindo a ter também no setor agrícola, com muitos agricultores a adotarem novas soluções que lhes permitem poupar recursos, tomando simultaneamente decisões mais favoráveis ao ambiente. Refere a mudança que igualmente se verifica no consumo emdireção a produtos mais sustentáveis, mais locais e de base mais tecnológica, incluindo rastreabilidade. Soluções tecnológicas ligadas à interoperabilidade dos sistemas estão também a ser postas em prática na administração, nomeadamente em termos de sistemas de informação e registo, comunicação e processos de candidatura, utilizando, entre outras, “técnicas robotizadas para a validação automática de processos ou mesmo [implementando] um sistema de monitorização de culturas através de imagens de satélite.” Alguma desta inovação tem sido conseguida através da colaboração comuniversidades e comprogramas da União Europeia, por um lado, e com organizações de agricultores e Direções Regionais de Agricultura e Pescas, por outro. Ao nível do investimento, a opção pelo regime de custos simplificados parece ser uma aposta com peso crescente. A concluir esta secção, um artigo sucinto mas esclarecedor de Manuel Chaveiro Soares chama a atenção para questões relativas à competitividade do setor agropecuário, por um lado, referindo diversos constrangimentos administrativos à atividade (embora reconhecendo a pertinência de algumas tentativas de simplificação) e apresentando exemplos concretos de situações ligadas a atrasos e incongruências que afetam a própria viabilidade económica das empresas, bemcomo a sua capacidade exportadora. Por outro lado, salienta um fator estrutural muito relevante, o envelhecimento da população portuguesa, esclarecendo os aspetos em que considera que esse défice demográfico afeta e poderá vir a afetar ainda mais no futuro a atividade agrícola e, em particular, a pecuária. A secção Leituras inclui, desta feita, uma síntese do documento “Custos de contexto e desempenho das empresas portuguesas”, publicado por João Amador e uma equipa do Banco de Portugal em 2019, e uma breve síntese (e “atualização”) do artigo “A evolução da qualidade na Administração Pública portuguesa 1974-2004”, de Maria Inês Nolasco. Ainda em análise está o documento da OCDE “Balcões únicos para cidadãos e empresas”, de 2020, e dois artigos de Blandine Mesnel, o primeiro escrito em equipa e publicado pelo Ministério da Agricultura francês, “A PAC e o trabalho administrativo dos agricultores: uma comparação França-Espanha”, de 2022 e, o segundo, “Socializar para a biodiversidade através da neoliberalização da PAC?”, de 2018. A concluir, é feita uma breve síntese do mais recente relatório da FAO e do Programa Alimentar Mundial sobre focos de insegurança alimentar e fome no mundo.

GRANDES TENDÊNCIAS N.º 27 janeiro de 2023

CULTIVAR v.t . TRABALHAR A TERRA PARA TORNÁ-LA FÉRTIL.

13 Simplificação & Política Agrícola Comum: uma nova abordagem PETROS ANGELOPOULOS E GIJS SCHILTHUIS Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DG AGRI), Comissão Europeia Introdução Será que a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) conseguiu ultrapassar os seus problemas de complexidade? Ou deverá a política continuar a ser simplificada? Foi-nos pedido que refletíssemos sobre esta questão e parece-nos adequado fazê-lo no início de 2023, altura em que começa uma nova fase da vida da PAC, sob a forma dos respetivos Planos Estratégicos Nacionais que agora entram em vigor. É também uma boa oportunidade para refletir sobre a evolução da PAC e para levar essa reflexão para lá da simplificação, já que as autoridades públicas devem criar regras e regulamentos que sejam não só simples, mas também claros no que toca a finalidade e conceção, que sejam eficientes e eficazes na prossecução dos objetivos da política e que possam ser implementados e controlados com igual eficácia em termos de custos. A questão é saber se a PAC cumpre tais critérios. Para responder a esta pergunta, é importante voltar atrás no tempo, uma vez que a natureza da PAC mudou consideravelmente ao longo da sua história de mais de 60 anos. As normas referentes a subsídios que afetam diretamente os agricultores são, elas próprias, uma relativa novidade, sendo agora combinadas com uma política cada vez mais ambiciosa que quer ir ao encontro de uma sociedade que espera muito mais da agricultura do que simplesmente abundância de alimentos seguros a preços razoáveis. Ao analisar a transformação da política e do ambiente em que ela opera, pretendemos esclarecer o papel dos novos Planos Estratégicos da PAC na abordagem ao desafio de criar uma política simples e eficaz. Evolução da PAC – complexidade crescente? Quando entrou em vigor em 1962, a PAC baseava- -se em três princípios centrais: organização comum de mercado, financiamento comum e preferência comunitária. Estes princípios foram postos em prática através de políticas de mercado e de preços (apoio aos preços …a natureza da PAC mudou consideravelmente ao longo da sua história de mais de 60 anos. Quando entrou em vigor em 1962, a PAC baseava-se em três princípios centrais: organização comum de mercado, financiamento comum e preferência comunitária.

14 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto do mercado interno que exigiam uma elevada proteção nas fronteiras, intervenção pública, subsídios à exportação). As normas e os regulamentos que foram então estabelecidos eram direcionados para as partes que negociavam produtos agrícolas essenciais: comerciantes (direitos de importação ou subsídios à exportação) ou indústria transformadora com capacidade de armazenagem para existências de intervenção pública. Este sistema de apoio foi-se tornando cada vez mais complexo ao longo dos anos. Os operadores envolvidos beneficiavam dos regimes de apoio e os agricultores beneficiavam indiretamente através de preços mais elevados. No entanto, a simplificação não era nessa altura um tema dominante nos debates sobre política agrícola. Mais tarde, quando foram introduzidos os sistemas de quotas (por exemplo, para o açúcar em 1968, para o leite em 1984), parecia que as complexidades da gestão das quotas eram aceites pela maioria dos Estados-Membros, porque era evidente que o sistema proporcionava preços mais elevados e mais estáveis para muitos agricultores. De facto, a finalidade e a conceção das políticas eram claras e, de início, não foram contestadas. Ao longo dos anos, porém, esta perceção foi-se alterando, sobretudo durante a década de 1980. Uma acumulação de problemas trouxe uma série de críticas internas à PAC como uma política ineficaz: a imagem da agricultura da União Europeia (UE) era a das montanhas de cereais ou manteiga acumulados e dos lagos de vinho. Nessa altura, as medidas de mercado estavam relacionadas com o apoio aos produtos agrícolas (intervenção pública e subsídios à exportação representavam 91 por cento do orçamento agrícola da UE). As mudanças induzidas pelas políticas resultaram na redução dos excedentes de exportação da UE em quase todos os produtos apoiados, redução essa provocada pela diminuição do apoio aos preços do mercado interno, com o seu impacto na diminuição da produção e no aumento da procura interna, e no decrescimento da dependência da UE em relação aos subsídios à exportação. Este foi o início da mudança da política de um sistema de apoio ao mercado para um apoio direto ao rendimento dos agricultores, com base na área de terra cultivada ou no número de animais do efetivo. Os pagamentos dependeriam do cumprimento de normas ambientais, de segurança alimentar e de saúde e bem-estar animal. Esta mudança de política foi fundamental e alterou também o debate sobre a complexidade e a simplificação da PAC. Enquanto os instrumentos de política de apoio aos preços de mercado foram quase totalmente abolidos, a legislação para fazer pagamentos de apoio direto aos agricultores introduziu novas complexidades relacionadas, por exemplo, com a determinação da base de pagamento (número de animais, medição da área), complexidades essas que aumentaram com a expansão das condições e requisitos para esses pagamentos. A reforma da Agenda 2000 introduziu regras de condicionalidade, ligando os pagamentos diretos ao cumprimento de legislação (Requisitos Legais de Gestão, RLG) e de Boas Condições Agrícolas e Ambientais (BCAA), que foram sendo alargadas ao longo dos anos. A partir de 2015, foram introduzidas regras de “ecologização” (greening), ligando 30% dos subsídios diretos a diferentes práticas de uso sustentável do solo. Além disso, a prioridade política de orientar melhor as ajudas para certos grupos de agricultores e tipos de agricultura foi acompanhada por regras adicionais. …foi o início da mudança da política de um sistema de apoio ao mercado para um apoio direto ao rendimento dos agricultores, com base na área de terra cultivada ou no número de animais do efetivo. Os pagamentos dependeriam do cumprimento de normas ambientais, de segurança alimentar e de saúde e bem-estar animal. …[esta] legislação introduziu novas complexidades relacionadas, por exemplo, com a determinação da base de pagamento. A reforma da PAC pós-2020 reforçou esta tendência de orientar as ajudas com base em critérios ambientais, económicos ou sociais.

Simplificação & Política Agrícola Comum: uma nova abordagem 15 A reforma da PAC pós-2020 reforçou esta tendência de orientar as ajudas com base em critérios ambientais, económicos ou sociais. A resposta da simplificação Embora tenha havido quem criticasse a direção e a rapidez das mudanças da PAC enquanto tal, muitos outros, em particular as autoridades dos Estados- -Membros e os agricultores, não puseram em causa a política em si, mas criticaram a sua prestação e a complexidade da sua implementação. Esta crítica não foi ignorada; pelo contrário, a Comissão reconheceu-a e, por diversas ocasiões, em conjunto com o Conselho e o Parlamento, não só manifestou a importância que atribui à simplificação da política, mas também agiu para a conseguir. O trabalho de simplificação tem, por um lado, o objetivo de aliviar as tarefas administrativas da Comissão e dos Estados-Membros que estão implicadas na implementação, na gestão e no controlo das medidas da PAC, e, por outro lado, centra-se na redução dos encargos administrativos impostos às pessoas afetadas pelas medidas – agricultores, indústria, comércio, etc. O objetivo das ações de simplificação das políticas é assegurar que os mecanismos escolhidos para as implementar e o quadro jurídico necessário nunca sejam mais complexos do que aquilo que é preciso para alcançar os objetivos pretendidos de forma eficaz e eficiente. As ações de simplificação relativas à PAC durante as últimas décadas podem ser caracterizadas como um processo que visa identificar e eliminar fontes de encargos desnecessários. Vagas de simplificação Assim, desde meados da década de 1990, as sucessivas reformas da PAC têm proporcionado oportunidades de simplificação. Umexemplo foi a integração de um grande número de pagamentos diretos de apoio ao rendimento num regime de pagamento único desligado e abrangente. A criação do Sistema Integrado de Gestão e Controlo (SIGC) visava manter a carga administrativa para os agricultores a um nível exequível, salvaguardando ao mesmo tempo a exatidão das informações sobre áreas e encabeçamento por eles declarados, garantindo assim um elevado grau de segurança financeira e de proteção do dinheiro dos contribuintes. AComissão temvindo a trabalhar emestreita colaboração com as autoridades nacionais para identificar possibilidades de simplificação. Numa análise sistemática realizada em 1997-2000, foram recebidas dos organismos pagadores dos Estados-Membros aproximadamente 200 sugestões, tendo a Comissão conseguido tomar medidas positivas relativamente a cerca de metade destas. Para as restantes não foram tomadas medidas, quer porque teriam implicado custos excessivos, prejudicando a boa gestão financeira, quer porque não foram consideradas como tendo verdadeiro potencial de simplificação. Este exercício foi repetido em 2001-2003. As sugestões dos Estados-Membros foram analisadas por um grupo de simplificação criado pela Comissão, composto por representantes das administrações nacionais. Este exercício resultou em numerosas simplificações integradas na política através da reforma de 2003. A simplificação foi referida como um dos principais objetivos da proposta da Agenda 2000. Em particular, foi apresentada uma simplificação substancial para a política de desenvolvimento rural, com a concentração destas medidas num único regulamento. Além disso, a simplificação foi também conseguida numa série de regimes de apoio setorial para o azeite, as sementes oleaginosas, a carne de bovino e o leite. A reforma de 2003 trouxe uma mudança radical à PAC, especialmente à sua política As ações de simplificação relativas à PAC durante as últimas décadas podem ser caracterizadas como um processo que visa identificar e eliminar fontes de encargos desnecessários. A reforma de 2003 trouxe uma mudança radical à PAC, especialmente à sua política de apoio ao rendimento, eliminando a ligação entre subsídios e produção (“desligamento”).

16 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto de apoio ao rendimento, eliminando a ligação entre subsídios e produção (“desligamento”) e permitindo aos agricultores receberem esse apoio ao rendimento com base num “direito de pagamento”. Introduziu re- gras comuns para diferentes regimes de apoio, criando o Regime de Pagamento Único (RPU), e limitou o SIGC à verificação de áreas, enquanto os complexos controlos dos prémios a animais se tornaram obsoletos. Estabeleceu igualmente o Regime de Pagamento Único por Superfície (RPUS) para os novos Estados-Membros e introduziu as acima referidas obrigações de ecocondicionalidade obrigatórias. O RPUS permitiu a concessão de um montante fixo por hectare de superfície agrícola, calculado dividindo o total de apoio ao rendimento disponível pelo número total de hectares utilizados para a produção agrícola – um prelúdio para futuras reformas do sistema de apoio direto. Na sequência desta reforma, a Comissão publicou em 2005 uma comunicação sobre a simplificação da PAC, anunciando uma redução estimada de 25%dos encargos administrativos até 2012 através da revogação de centenas de atos obsoletos, racionalizando assim a PAC e melhorando tanto as práticas legislativas como os sistemas informáticos. No final de 2006, foi lançado um Plano de Ação de Simplificação da PAC, com base em sugestões dos Estados-Membros, das partes interessadas, das organizações de produtores e da própria Comissão. Algumas das questões abordadas foram a abolição dos certificados de exportação de carne de bovino sem restituições à exportação, a eliminação da maioria das obrigações relacionadas com os certificados de importação e exportação, a alteração das regras sobre a condicionalidade, etc. Em 2007, a criação da “OCM única”, que fundiu num único regulamento 21 organizações comuns de mercado diferentes para diferentes grupos de produtos agrícolas, constituiu também um importante esforço de simplificação. Marcou o novo carácter de “rede de segurança” da intervenção pública, permitindo ao mesmo tempo que, nos anos seguintes, a simplificação prosseguisse no que se refere à gestão do mercado. Outras importantes mudanças implicaram a eliminação das quotas leiteiras e das quotas do açúcar, melhorando a competitividade destes setores da UE e reduzindo simultaneamente os encargos administrativos para os beneficiários. A reforma de 2008 ficou conhecida como o “Exame de Saúde” (Health Check) da PAC. Teve por base e completou a mudança de 2003 para os pagamentos desligados, enfatizando também – como seria de esperar de um exame de saúde – a simplificação da política e, em particular, a necessidade de reduzir a burocracia para os agricultores, uma prioridade para todos os Estados-Membros. Emmarço de 2009, a Comissão publicou uma segunda comunicação sobre a simplificação da PAC, fazendo um balanço do vasto leque de ações empreendidas desde 2005 e delineando o trabalho adicional necessário para alcançar uma simplificação substancial até 2012. As vagas de restruturação e simplificação têm, pois, caracterizado o processo de reforma da PAC desde a década de 1990. No entanto, a reforma de 2013 pode ser considerada como uma mudança de orientação mais decisiva. Foi a reforma que introduziu a “ecologização” (greening), exigindo certas práticas benéficas para o ambiente para 30% dos pagamentos diretos ao rendimento. O custo do controlo foi intensamente debatido durante esta reforma, tanto em relação à conceção das “medidas verdes”, como em relação à simplificação de vários mecanismos adminisEm 2007, a criação da “OCM única”, que fundiu num único regulamento 21 organizações comuns de mercado diferentes para diferentes grupos de produtos agrícolas, constituiu também um importante esforço de simplificação. Em 2015, a Comissão concluiu que as últimas vagas de simplificação não tinham respondido ao desejo político de uma política simples e eficaz. Pelo contrário, a pressão ambiental sobre a agricultura e a reforma de 2013 (greening) constituíam um desafio crescente que exigia uma nova resposta.

Simplificação & Política Agrícola Comum: uma nova abordagem 17 trativos da PAC (incluindo para a condicionalidade e os sistemas de controlo), também para evitar encargos administrativos desnecessários. Em 2015, o então Comissário para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural, Phil Hogan, fez da simplificação da PAC uma grande prioridade, concentrando-se em particular na implementação das políticas. Introduziu diversas alterações para conseguir essa simplificação, mas a Comissão concluiu também que as últimas cinco ou mais vagas de simplificação não tinham respondido ao desejo político de uma política simples e eficaz. Pelo contrário, a pressão ambiental sobre a agricultura e a reforma de 2013 (greening) constituíam um desafio crescente que exigia uma nova resposta. Na sua Comunicação de 2017 sobre “O futuro da alimentação e da agricultura”, a Comissão anunciou um “novo modelo de prestação” para a PAC1. Um novo modelo de prestação: os Planos Estratégicos da PAC AComissão concluiuque uma políticamais orientada para o desempenho e para os resultados e que fosse também mais simples de administrar exigia uma nova abordagem de gestão. Assim, propôs uma PAC baseada em planos estratégicos nacionais com responsabilidades acrescidas para os Estados-Membros num quadro da UE. Os Estados-Membros e o Parlamento Europeu concordaram com 1 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52017DC0713&from=PT esta nova abordagem, reforçando simultaneamente o quadro da UE para garantir a natureza comum da política. Os Planos Estratégicos dos Estados-Membros, aprovados pela Comissão, são aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2023. Através destes planos, os Estados-Membros têm a possibilidade de ajustar os instrumentos e as medidas disponíveis, de modo a refletirem a realidade das suas próprias condições e os desafios particulares que enfrentam. Isso é conseguido com menos prescrições, menos disposições e exceções detalhadas a nível da UE, exigindo ao mesmo tempo que sejam estabelecidas regras e medidas detalhadas a nível do Estado-Membro/regional, mais próximo da realidade dos agricultores. As anteriores regras a nível da UE podem ser classificadas nas que são mantidas a nível da UE, nas que são agora determinadas a nível dos Estados-Membros e nas que simplesmente deixarão de ser necessárias. As regras que se mantêm a nível da UE assegurarão a natureza comum da política, enquanto as regras a nível dos Estados-Membros lhes dão a oportunidade de estabelecerem as suas condições de elegibilidade de uma forma mais bem dirigida, correspondendo à realidade dos seus agricultores e conseguindo assim uma simplicidade implícita que não pode ser alcançada a nível da UE. Na verdade, é também parte essencial da subsidiariedade que as normas sejam estabelecidas, se tiverem de ser estabelecidas, ao nível que …uma política mais orientada para o desempenho e para os resultados e que fosse também mais simples de administrar exigia uma nova abordagem de gestão. …os Estados-Membros têm a possibilidade de ajustar os instrumentos e as medidas disponíveis, de modo a refletirem a realidade das suas próprias condições e os desafios particulares que enfrentam. Esta flexibilidade para dirigir, conceber e combinar ações de acordo com as condições locais permite orientar as ações de uma forma mais estratégica, recorrendo a uma conceção de políticas inteligente. … com uma maior concentração no que realmente se pretende alcançar em termos de, por exemplo, biodiversidade, do que em medir a largura das sebes.

18 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto seja melhor e mais eficaz. Esta flexibilidade para dirigir, conceber e combinar ações de acordo com as condições locais permite orientar as ações de uma forma mais estratégica, recorrendo a uma conceção de políticas inteligente. Essas ações serão sujeitas a uma medição do desempenho, com maior enfâse nos resultados do que na conformidade. Por outras palavras, com uma maior concentração no que realmente se pretende alcançar em termos de, por exemplo, biodiversidade, do que em medir a largura das sebes. Para assegurar condições equitativas em termos de controlos, mantêm-se diversos requisitos-chave para elementos sistémicos básicos, incluindo um sistema de identificação de parcelas agrícolas, um sistema de aplicação geoespacial, um sistema de monitorização de áreas ou um sistema de controlo e sanções. A adoção de novas tecnologias pelos Estados-Membros, tais como a digitalização e a utilização de satélites, terá um impacto importante na carga administrativa. A mudança para o desempenho pode ser traduzida num menor número de critérios ou requisitos de elegibilidade e/ou em menos provas solicitadas no momento da candidatura, traduzindo-se por sua vez em menos encargos para os beneficiários na apresentação de candidaturas e para as administrações nacionais na realização de controlos administrativos. A utilização mais ampla de pedidos de apoio com base geoespacial, possivelmente combinada com imagens dos satélites Sentinel2, poderá diminuir aindamais os encargos para os beneficiários. Da mesma forma, a digitalização, por exemplo, através do desenvolvimento de aplicações, poderá ter um impacto positivo no tempo para a apresentação das candidaturas. 2 Copernicus – Conheça os nossos satélites (Comissão Europeia e Agência Espacial Europeia): https://www.copernicus.eu/pt-pt/acerca-do-copernicus/infraestrutura/conheca-os-nossos-satelites; Imagens dos satélites Sentinel – Portugal: https://ipsentinel.pt/ [Nota da equipa editorial] Embora a criação destes sistemas possa envolver alguns encargos adicionais para as administrações nacionais, é provável que, nos próximos anos, estes investimentos venham a compensar, tanto para as administrações como para os agricultores. A nova PAC é mais simples? A simplificação foi um dos muitos objetivos discutidos entre os Estados-Membros e a Comissão antes da aprovação dos Planos Estratégicos da PAC, no segundo semestre de 2022. Os Estados-Membros utilizaram claramente as possibilidades de subsidiariedade para conceberem medidas que correspondessem à sua situação e às suas prioridades políticas. Vários Estados-Membros estão a planear dar passos significativos no que diz respeito à utilização de tecnologia na gestão e no controlo. Está em curso o mapeamento detalhado dos Planos Estratégicos dos Estados-Membros, mas à primeira vista a reforma parece ter cumprido a sua promessa de simplificação. No entanto, é ainda demasiado cedo para se tirarem conclusões definitivas. As autoridades dos Estados- -Membros e as organizações de agricultores sublinham a simplificação como uma preocupação fundamental em relação aos novos planos estratégicos. É necessário um escrutínio cuidadoso da implementação para compreender e responder a estas preocupações. Dito isto, uma primeira análise preliminar sugere que certos Estados-Membros tendem a evitar mudanças para os beneficiários, garantindo assim a estabilidade do quadro da PAC em que operam, enquanto outros Estados-Membros têm um vasto leque de ambições, resultando numa multiplicidade de medidas detalhadas, que podem não conduzir necessariamente a uma gestão mais simples. As autoridades dos Estados-Membros e as organizações de agricultores sublinham a simplificação como uma preocupação fundamental em relação aos novos planos estratégicos. É necessário um escrutínio cuidadoso da implementação para compreender e responder a estas preocupações.

Simplificação & Política Agrícola Comum: uma nova abordagem 19 Um aspeto das negociações políticas sobre esta última reforma da PAC dizia respeito à necessidade de um “período de aprendizagem” em relação aos ecoregimes, uma nova característica do apoio ambiental que é obrigatória em todos os planos estratégicos e que deve, em princípio, representar 25% das despesas do apoio direto. Os Estados-Membros sublinharam a necessidade de “aprender” de que forma esta intervenção deve ser concebida para melhor assegurar uma implementação eficaz: boa adesão por parte dos agricultores e bons resultados. Esta noção de umperíodo de aprendizagem para os novos planos estratégicos poderá ser fundamental, em particular para garantir uma menor carga administrativa e uma maior simplicidade na gestão. Olhando para as últimas décadas, pode-se concluir que a simplificação tem sido uma prioridade política importante no debate sobre a PAC e que é provável que assim continue. Tanto os colegisladores como a Comissão têm trabalhado para traduzir esta prioridade numa vasta gama de simplificações durante este período. É muito provável que a questão se mantenha sob foco e que a simplificação continue a fazer parte da estratégia global da Comissão para legislar melhor. Tentámos igualmente deixar claro que a natureza da PAC mudou, agora que afeta diretamente os agricultores através dos seus pagamentos. Em particular, a crescente ligação destes pagamentos a práticas benéficas para o clima e o ambiente pode dar origem a complexidades que devem ser cuidadosamente geridas através de uma conceção inteligente das intervenções e da utilização de tecnologias de gestão e controlo. Continua a ser essencial reduzir as complexidades e os encargos da legislação da UE para os beneficiários e as administrações públicas, uma vez que isso aumentará a competitividade do setor agrícola da UE e reduzirá os custos para os agricultores e para as autoridades públicas que têm de cumprir ou gerir a PAC. Além disso, a simplificação pode melhorar a compreensão e a aceitabilidade da política por parte tanto dos cidadãos como dos beneficiários, melhorando assim a sua aplicação. … a natureza da PAC mudou, … a crescente ligação destes pagamentos a práticas benéficas para o clima e o ambiente pode dar origem a complexidades que devem ser cuidadosamente geridas através de uma conceção inteligente das intervenções e da utilização de tecnologias de gestão e controlo. …a simplificação pode melhorar a compreensão e a aceitabilidade da política por parte tanto dos cidadãos como dos beneficiários, melhorando assim a sua aplicação.

20 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto Simplification & the Common Agricultural Policy: a new approach PETROS ANGELOPOULOS, GIJS SCHILTHUIS Directorate-General for Agriculture and Rural Development (DG AGRI), European Commission Introduction Has the reform of the Common Agricultural Policy (CAP) overcome its complexity? Should the policy be further simplified? We were asked to reflect on this question. This is appropriate at the start of 2023, with a new phase in the life of the CAP in the form of national CAP Strategic Plans that now apply. It also provides a good opportunity to reflect on the evolution of the CAP and to extend this reflection beyond simplification. Because public authorities must create rules and regulations that are not merely simple, but also clear in terms of purpose and design, that are efficient and effective in pursuing the policy’s objectives, and that can be implemented and controlled (cost) effectively. The question is whether the CAP meets those criteria. To answer this question, it is important to go back in time, as the nature of the CAP has considerably changed during its history of more than 60 years. Rules on subsidies affecting farmers directly are themselves a novelty and are now combined with an increasingly ambitious policy responding to a society that expects much more from agriculture than simply an abundance of reasonably priced healthy food. Exploring the transformation of the policy and the environment in which it functions, we aim to shed light on the role of the new CAP Strategic Plans in addressing the challenge of creating a simple and effective policy. Evolution of the CAP – increasing complexity? The CAP, implemented since 1962, was based on three central principles: common market organisation, common financing and Community preference. These principles were implemented through market and price policies (domestic support prices that required high border protection, public intervention, export subsidies). The rules and regulations that were established were addressed at parties that traded key agricultural commodities: traders (import tariffs or export subsidies), or processors with storage capacity for public intervention stocks. This support system became more and more complex over the years. The concerned operators benefitted from the support schemes and farmers benefitted indirectly through higher prices. However, simplification was not a dominant theme in farm policy debates at that time. Later, when quota systems were introduced (e.g. for sugar in 1968, for milk in 1984), it seemed that the complexities of quota management were accepted in most Member States as it was clear that the system provided higher, more stable prices for many farmers. Indeed, purpose and design of the policies were clear and not challenged at first. This changed over the years, however, particularly during the 1980s. An accumulation of problems brought an array of domestic criticisms to the CAP as a policy that was ineffective. The image of EU agriculture was one of stockpiled mountains of grain or butter and lakes of wine. At that time, market measures related to support of agricultural products (public intervention and export subsidies accounted for 91 percent of the EU’s agricultural budget). Policy-driven changes resulted in diminishing EU export surpluses in almost all supported commodities, brought about by the lowering of domestic support prices, their downward impact on production and increase in domestic demand, and the diminishing reliance of the EU on export subsidies. This was the start of the policy shift from a market support system to direct income support for farmers, based on the area of land cultivated or number of livestock maintained. The payments would be conditional upon the respect of environmental, food safety, animal health and welfare standards. This policy shift was fundamental and also modified the debate on the complexity and simplification of the CAP. While policy instruments to support market prices were almost entirely abolished, the legislation to make direct support payments to farmers introduced new complexities related to, for example, determination of the basis for payment (number of animals, measurement of area). Complexities that increased with the expansion of conditions and requirements for the payments. The Agenda 2000 reform introduced cross compliance rules, linking direct payments to respect of legislation (Statutory Management Require-

Simplificação & Política Agrícola Comum: uma nova abordagem 21 ments, SMR) and good agricultural and environmental conditions (GAEC), which were expanded over the years. As of 2015, ‘greening’ rules were introduced, linking 30% of direct subsidies to different sustainable land use practices. Moreover, the political priority of better targeting aid to certain groups of farmers and types of agriculture were accompanied by additional rules. The post-2020 reform of the CAP reinforced this trend of targeting support on the basis of environmental, economic or social criteria. The simplification response While some criticised the direction and speed of the changes of the CAP as such, many others, Member State authorities and farmers in particular, did not call into question the policy as such, but criticized its delivery and the complexity of its implementation. This criticism was not ignored. On the contrary, the Commission acknowledged it and has, together with the Council and the Parliament, on several occasions not only expressed the importance it attaches to policy simplification, but also acted to achieve this. The work on simplification has on the one hand aimed at alleviating the Commission and Member States’ administrative tasks involved in the implementation, management and control of CAP measures. And, on the other hand, simplification focussed on reducing the administrative burden imposed on those concerned by the measures – farmers, industry, trade, etc. The purpose of actions to simplify policies is to ensure that the mechanisms chosen to implement them and the necessary legal framework are never more complex than what is necessary to achieve the intended objectives effectively and efficiently. The simplification actions regarding the CAP over the past decades can be characterised as a process aimed at identifying and removing sources of unnecessary burdens. Waves of simplification Since the mid-1990s, successive CAP reforms have provided opportunities for simplification. An example was the integration of a large number of direct income support payments into a comprehensive decoupled single payment scheme. The creation of the Integrated Administration and Control System (IACS) aimed at keeping the administrative burden for farmers at a manageable level, while safeguarding the accuracy of farmer’s declared area and livestock headage claims, thus ensuring a high degree of financial security and protection of taxpayers’ money. The Commission has worked closely with national authorities to identify simplification possibilities. In a systematic analysis carried out in 1997–2000, around 200 suggestions were received from Member States’ Paying Agencies, and the Commission was able to take positive action on about half of them. The remainder were not acted upon because they would have entailed excessive costs, undermined sound financial management, or were not judged to offer real simplification potential. This exercise was repeated in 2001–2003. Member States’ suggestions were analysed by a simplification group established by the Commission, composed of representatives of national administrations. This exercise resulted in numerous simplifications integrated in the policy via the 2003 reform. Simplification was mentioned as one of the main objectives of the Agenda 2000 proposal. In particular, substantial simplification was proposed for the rural development policy, with the concentration of rural development measures in one single regulation. Moreover, simplification was achieved in a number of sectoral support schemes for olive oil, oil seeds, beef and milk. The 2003 reform brought radical change to the CAP, especially its income support policy. It removed the link between subsidies and production (‘decoupling’), enabling farmers to receive income support based on a “payment entitlement”. The reform introduced common rules for different support schemes, establishing the Single Payment Scheme (SPS), as well as limiting IACS to area-related checks, while complex controls on animal premiums became obsolete. It also established the Single Area Payment Scheme (SAPS) for new Member States and introduced the aforementioned mandatory cross-compliance obligations. SAPS allowed the granting of a flat rate per hectare of agricultural area, calculated by dividing the total available income support by the overall number of hectares used for agricultural production – a prelude to future reforms of the direct support system. Following this reform, the Commission published a Communication on CAP simplification in 2005, announcing an estimated reduction in administrative burden of 25% by 2012 through repeal of hundreds of obsolete acts, streamlining the CAP, and improving both law-making practices and IT systems. A CAP Simplification Action Plan was launched at the end of 2006, based on suggestions from Member States, stakeholders, producers’ organisations and the Commission itself. Some of the issues addressed were the abolition of licences for exports of beef without export refunds, the elimination of most of the obligations relating to import and export licences, amendment of the rules on cross-compliance, etc.

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