108 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto 2015). A investigação apresentada neste artigo avalia a capacidade destes dois tipos de apoios para transformarem a atitude cognitiva dos agricultores em relação à proteção da biodiversidade e foi baseada em múltiplas entrevistas com beneficiários da PAC e atores locais envolvidos na implementação desta política, em França e em Espanha. Os resultados indicam que os instrumentos neoliberais escolhidos para a aplicação das regras de condicionalidade e do pagamento greening têm uma capacidade limitada para produzir efeitos cognitivos positivos nos beneficiários, existindo dois fatores complementares que explicam estes efeitos limitados: o conteúdo dos instrumentos e o tipo de questões burocráticas que criam. Observa-se um duplo processo de socialização1: os instrumentos de biodiversidade socializam os agricultores para a governação neoliberal, tanto quanto os socializam para a proteção da biodiversidade. As normas e o controlo burocrático como instrumentos de uma abordagem neoliberal à biodiversidade A preocupação com a biodiversidade começou a ser abordada na PAC num contexto geral de neoliberalização da política e dos seus objetivos, com uma abordagem verticalizada e burocrática, numa dinâmica de mais mercado mas tambémmais regras. A condicionalidade, introduzida em 2003, prevê sanções aplicadas aos pagamentos diretos por incumprimento de uma lista de normas, incluindo “boas condições agrícolas e ambientais” (BCCA). Por outro lado, os agricultores com direito aos pagamentos diretos têm igualmente direito, desde 2015, ao pagamento greening, desde que observem três práticas agrícolas benéficas para o clima e ambiente: Diversificação de culturas (DC); Manutenção dos prados permanentes (PP); Detenção de uma superfície de interesse ecológico (SIE). Estas duas modalidades de apoio pressupõem um controlo predominantemente administrativo numa dinâmica de “burocra1 Socialização e socializar são termos aqui utilizados no sentido corrente de adaptar os indivíduos às exigências da vida social, procurando que adotem um determinado comportamento tido como socialmente correto. tização neoliberal”, contestada pelas associações de agricultores de França e Espanha. A mediação da condicionalidade e do pagamento greening pelos atores locais envolvidos na implementação da PAC Ao avaliar o trabalho dos atores locais na implementação da PAC, verifica-se qua a afinidade coma questão da biodiversidade é fraca e que estes atores tem objetivos essencialmente burocráticos, de “passar papéis”, sem nenhuma componente de sensibilização dos agricultores para a importância da biodiversidade ou de aconselhamento sobre como melhor a defender e, logo, sem contribuir para mudar as perceções dos agricultores sobre esta importante questão. Acolhimento pelos agricultores: mediação e trabalho burocrático como alavancas para politizar as relações com a biodiversidade As normas são geralmente vistas como instrumentos que despolitizam as questões de ordem pública, uma vez que se baseiam numa “legitimidade mista”, que combina racionalidade científica e técnica para “neutralizar o seu significado político”. No entanto, neste caso, como o significado das regras foi deficientemente transmitido aos agricultores, estes contestam a sua racionalidade científica e instrumental e questionam a sua racionalidade democrática. Em várias situações concretas, as normas são vistas como sendo desprovidas de sentido, ineficazes ou mesmo contraproducentes no que diz respeito ao objetivo de preservar a biodiversidade. Por outro lado, a realidade complexa das explorações origina uma disjunção entre as práticas agrícolas reais e os dados registados, o que faz os agricultores questionarem a racionalidade das normas e as penalizações administrativas aplicadas, para além de originar a perceção de que há uma dimensão de marketing nestes apoios e de que administração pública pretende alcançar objetivos escondidos.
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