CULTIVAR27

26 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 27 JANEIRO 2023 – Custos de contexto Alguns factos: 1. O setor agrícola absorve quase metade do orçamento comunitário, mas representa menos de 5% do PIB da União Europeia; 2. No início do milénio, 50% dos atos legislativos da União Europeia referiam-se à agricultura; Estes números dão a ilusão de que a Europa se preocupa com a agricultura – de facto que outro setor recebe tão grandes níveis de apoio? Em Portugal, além destes números, é frequente encontrar o discurso que, sem a PAC, o preço da carne e dos cereais seria incomportável. Dizem-nos ainda que a Europa paga para termos uma alimentação barata e para não termos fome no espaço europeu. A burocracia e o dirigismo económico associado a estes fundos é, conclui-se, umpreço pequeno a pagar para tamanho e glorioso objetivo. Aliás, a burocracia é o sistema que garante que os valores são atribuídos de forma justa e rigorosa aos produtores. De outra forma, a Comissão Europeia tem de tipificar o produto agrícola de forma a garantir que todos recebem o mesmo por unidade produzida, ou que (na já não tão nova PAC) todos recebem o mesmo pela mesma disponibilidade produtiva. Com esta visão, tenta-se passar a imagem de que a complexidade da estrutura da administração pública associada à agricultura é um indicador de importância. Nada mais errado. Importância dos preços Estes números e esta cultura burocrática e dirigista revelam que temos uma agricultura protegida e uma alimentação desajustada à estrutura produtiva do país ou do espaço económico onde nos inserimos. Esse é o maior custo da subsidiação que lhe está associada. E com esta política de controlo e de supostos apoios estamos a matar um setor. Porquê? Porque os preços têm uma função-chave no que devemos produzir e no que consumimos. Os preços são “o” aspeto-chave de uma economia de mercado, já que reduzem num único indicador o que as pessoas mais querem e valorizam; e o que compensa mais aos produtores produzir. Se um produto é caro, há um convite para que mais produtores entrem na produção, que se desenvolvamalternativas àmesma necessidade e que os consumidores moderem o seu consumo. Talvez algumas pequenas histórias, uma de cariz mais pessoal, expliquem o que está em causa com os preços e o seu papel-chave na dinamização económica. Na altura de pandemia, fomos todos incentivados a ajudar os mais velhos, já que estes não deviamcorrer o risco de ir a grandes aglomerados. Um amigo meu resolveu ajudar uma vizinha idosa: “Diga-me o que precisa, que vou ao supermercado por si.” A resposta foi clara: “Tenho de ser eu, pois não sei o que está em promoção.” Esta senhora não comprava batatas ou carne de porco. A vizinha comprava o que estava mais barato, trocando batata por cenoura, porco por frango ou peixe congelado, leite por arroz, ou, mais estranhamente, massa por maçãs. As variedades e as quantidades dependiam do valor que estava na carteira. O que esta experiente e sábia senhora sabia é que não há uma lista de compras – há umorçamento para gerir com os preços que estão marcados na prateleira. Compramos o que podemos, não o que sonhamos. Do lado dos produtores é igual. A dieta mediterrânica não foi construída por um nutricionista – foi desenhada pelas dificuldades de produção e pelos preços relativos dos produtos – isto é pela remuneração que cada produtor recebe. No final, a agricultura tinha que servir tanto para alimentar como para dar dinheiro para sustentar famílias. Para quem gosta de história e de geografia, a admirável obra Portugal – o Mediterrâneo e o AtlânA dieta mediterrânica não foi construída por um nutricionista – foi desenhada pelas dificuldades de produção e pelos preços relativos dos produtos – isto é pela remuneração que cada produtor recebe. No final, a agricultura tinha que servir tanto para alimentar como para dar dinheiro para sustentar famílias.

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