Custos de contexto na agricultura: uma análise provocadora e realista 27 tico (OrlandoRibeiro, 19861)2 conta ahistóriade como culturas e métodos agrícolas se foram impondo por necessidade económica em diferentes regiões e ao longo dos séculos. Destaco o simples exemplo da vinha na zona oeste (Colares, mais precisamente), onde o vinho foi forma de produção de eleição por necessidade e não por gosto: “Os areais e as encostas prestam-se bem ao cultivo da vinha e dificilmente suportariam outro; mesmo em terrenos pobres, o rendimento é sempre compensador.” Mas posso deixar mais questões no ar de forma propositadamente provocatória: será que devíamos produzir tanto leite de vaca? O queijo de cabra não seria uma produção mais equilibrada para as nossas condições de terreno e climatéricas? Será que a fileira dos hortícolas está a ser suficientemente apoiada (se for isso que desejamos) em relação aos cereais? Por que motivo tem a maçã de ter um calibre “definido”? Se esse calibre é melhor aos olhos do consumidor, por que motivo tem de ser incentivado? Com os preços agrícolas e o atual padrão de consumo, temos ainda uma dieta verdadeiramente mediterrânea – isto é, ajustada ao nosso clima? A nossa atual dieta alimentar é minimamente razoável e sustentável? Os preços relativos, ou a rendibilidade de produção, deveriam refletir essas opções forçadas pela racionalidade económica de consumidores e produtores. A questão é que os subsídios & a burocracia, os custos de contexto, portanto, distorcem de tal forma os incentivos demercado que já não sabemos como e o que devemos produzir e o que comer. Estamos a dar 1 Primeira edição de 1945, sucessivamente revista. 2 Cf. ficha de leitura sobre este livro na edição N.º 21 da Cultivar – Sistemas agroflorestais: https://www.gpp.pt/images/GPP/O_que_disponibilizamos/Publicacoes/CULTIVAR_21/#96 [Nota da equipa editorial] 3 Esta secção segue de perto os argumentos de Futuro da Europa: reforma ou declínio, de Alberto Alisina e Francesco Giavazzi de 2007. 4 Dados retirados da mesma obra. 5 The Money Farmers: How Oligarchs and Populists Milk the E.U. for Millions https://www.nytimes.com/2019/11/03/world/europe/eu-farm- -subsidy-hungary.html sinais errados ao mercado – isto é, os consumidores comem mal, supostamente barato, e os produtores produzem o que não devem e são mal recompensados, mesmo com subsídios. Quem ganha com esta política agrícola3? Contrariamente à ideia aceite de que a política agrícola deve proteger os pequenos agricultores e assim ajudar a preservar as comunidades e a ocupação do território, grandes quantias vão para as empresas agrícolas e com bons contactos. Lá fora, os casos mais badalados, no início da década4, eram o do príncipe Alberto II do Mónaco, que recebia 300 000 euros por ano para a sua quinta em França, e o da rainha Isabel, que recebia 546 000 euros por ano pela produção numa quinta (dados de 2003). Nos Países Baixos, também em 2003, os três maiores beneficiários dos subsídios agrícolas eram a Phillip Morris (1,46 milhões de euros), a Royal Ducth Shell (660 000 euros) e a Van Driem, uma empresa agrícola (745 000 euros). No Reino Unido (em 2004), a Nestlé recebeu 11,3 milhões de euros e a Tate & Lyle, o maior refinador de açúcar da Europa, recebeu 127 milhões de euros. Mais recentemente (2019), o New York Times afirmava que na Hungria e na Europa Central e de Leste, os subsídios agrícolas estavam capturados por máfias e esquemas. “O primeiro-ministro da República Checa [Andrej Babis] recebeu dezenas demilhões de dólares [42 milhões] em subsídios no ano passado”, denunciava o jornal. E argumentava que a Eslováquia e a Bulgária tinham esquemas semelhantes.5 Com os preços agrícolas e o atual padrão de consumo, temos ainda uma dieta verdadeiramente mediterrânea – isto é, ajustada ao nosso clima? A nossa atual dieta alimentar é minimamente razoável e sustentável?
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