Cultivar_28

Sistema alimentar e transição energética – reflexões para o futuro 39 ção de alimentos, da escala local à global, e a expectativa para a sua evolução no contexto das alterações climáticas, obriga à reflexão sobre como o devemos abordar, sob pena de não ajustarmos políticas e práticas para que a próxima geração de agricultores portugueses não venha a ser perdedora. Novos modelos de produção de alimentos, do uso da água, do uso do solo e de energia devem ser equacionados, bem como a reinvenção de cadeias curtas e muito curtas de transporte como modelo futuro para melhorar a sustentabilidade do sistema alimentar. Associada a esta visão, as cidades e áreas urbanas têm/são espaços para produção de alimentos em múltiplos modelos (e.g. subterrâneos, telhados, espaços públicos), sendo Paris um caso conhecido. Estes novos modelos têm um impacto muito significativo no consumo de energia. Atualmente, o sistema alimentar não é considerado nas ferramentas de avaliação e promoção da transição energética de forma explícita e coerente, nas suas diversas componentes, mas de forma dispersa: a produção de alimentos (usualmente incluída no consumo de energia na agricultura), a transformação dos alimentos (no consumo de energia na indústria), a distribuição longa e curta (no consumo de energia nos transportes) e a sua preparação (no consumo de energia nos edifícios). As ferramentas (por exemplo, integrated assessment models) usadas para perspetivar a transição energética consideram maioritariamente estes consumos de energia alinhados com padrões do passado, isto é, sem evoluções futuras dinâmicas. Esta limitação sobre as interações do sistema energético com o sistema alimentar gera um nível de incerteza significativo para projeções futuras, com impacto direto desde logo na perspetiva sobre os sistemas agrícolas. Por exemplo, o crescimento de modos de produção de alimentos de base tecnológica (e.g. hidroponia, agricultura celular, agricultura de precisão) representa, a prazo, uma pressão enorme para o setor elétrico, já de si muito pressionado pela crescente eletrificação da economia com o objetivo da neutralidade carbónica. Crescentemente, o sistema alimentar é abordado de forma holística, considerando as suas relações com o sistema energético e o ciclo da água, no que se designa por nexus energia-água-alimentos, por só assim ser possível uma compreensão mais abrangente e mais correta do uso de recursos. O aumento da área regada de 21% nos últimos 10 anos em Portugal, não só requer mais recurso água, como mais recurso a energia (+21% de acordo com a DGEG), nomeadamente para alimentar os sistemas de rega. As alterações climáticas agravam o desempenho deste nexus, sobretudo pela limitação de recursos disponíveis. Projeções dos impactos esperados de trajetórias futuras do sistema climático reportam: i) limitação crescente da disponibilidade de água nos ecossistemas globalmente em mais de 73% da área terrestre, com implicações para a sua produtividade e por isso escassez de alimentos, stress hídrico, interrupção do sequestro de CO2 pelos ecossistemas terrestres, e redução da biodiversidade, para o cenário RCP 8.5 (Denissen et al, 2022); redução da produção agrícola global, sendo difícil de compensar com irrigação devido à indisponibilidade de água e necessidade de expansão das infraestruturas (Zhu et al, 2022); ii) aumento consistente na procura de energia estimado por vários modelos na Europa do Sul, para o cenário RCP4.5 (van Ruijven et al, 2019); aumento muito importante da produção de eletricidade que, dos atuais 20% no balanço global de energia, passará para 50% em 2050 numa trajetória consistente com o objetivo do Acordo de Paris (IEA, 2022). iii) aumento da escassez de água nas cidades, incluindo em Portugal, no cenário RCP2.6 (He et al, 2021); As projeções disponíveis para o Sul da Europa para a evolução do sistema energético, para o ciclo da água e para a produção de alimentos tornam muito desafiante a manutenção da economia e dos padrões e práticas As projeções disponíveis para o Sul da Europa para a evolução do sistema energético, para o ciclo da água e para a produção de alimentos tornam muito desafiante a manutenção da economia e dos padrões e práticas como hoje as conhecemos.

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