Cultivar_3_Alimentação sustentável e saudávell

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 3 março 2016 16 nas se manifesta quando estas plantas estão inte- gradas em agroecossistemas profundamente modi- ficados, em que encontram água e nutrientes em abundância e um ambiente asséptico em que pra- gas, doenças e outras plan- tas competidoras estão suprimidas pela utilização sistemática de pesticidas. Um número reduzido des- tas novas variedades de plantas altamente produti- vas, geradas pela moderna ciência agronómica, foi substituindo, um pouco por todo o lado, múlti- plas variedades adaptadas ao agroecossistema local, que tinham sido geradas, ao longo de séculos, pelos conhecimentos locais de muitas gerações de agricultores. A base genética do modelo químico mecânico foi-se assim estreitando, o que tornou o modelo, no seu conjunto, cada vez mais dependente da disponibilidade de energia barata e, portanto, vulnerável face ao aumento do preço da energia. A difusão do modelo químico-mecânico implicou, no plano socioeconómico, uma progressiva inte- gração dos sistemas de produção agrícola na eco- nomia de mercado: mercados dos produtos agrí- colas, mercados dos novos inputs de origem industrial e ainda mercados de crédito para comprar os novos inputs . Desenvolveu-se, neste qua- dro, uma profunda depen- dência dos agricultores – até então, os principais agentes da criação dos conhecimen- tos locais em que assenta- vam os seus sistemas de produção – face a saberes científicos globais, primeiro na posse do Estado e do seu aparelho de investigação e extensão rural, e, depois, na posse dos fornecedores comerciais dos novos inputs . A dupla substituição operada pelo modelo quími- co-mecânico permitiu uma maior produção de alimen- tos por trabalhador agrí- cola, e, assim, a transferên- cia de muitas pessoas da agricultura para os setores emergentes da indústria e dos serviços. Deste modo, deu-nos uma liberdade de escolha ocupacional que hoje muito prezamos. Além disso, reduziu o risco global de insuficiência alimentar – a insegurança alimentar do mundo de hoje resulta da desigualdade na reparti- ção do rendimento, e não tanto da insuficiência do potencial tecnológico de produção de alimentos. A artificialização dos agroecossistemas permi- tiu aumentar a produção agrícola ao longo da segunda metade do século XX principalmente atra- vés do aumento da produção por hectare (intensi- ficação) e não tanto pela expansão da área culti- vada. Isto teve evidentes vantagens em termos de uma menor pressão para converter habitat natural em terra agrícola. O uso ineficiente de inputs químicos conduziu, no entanto, a graves pro- blemas de poluição, que estão longe de ser ape- nas locais. O uso de fertili- zantes azotados duplicou o ciclo global do azoto (Vitousek et al., 1997) e a presença de pesticidas bioacumuláveis é hoje dete- tável em zonas relativamente remotas, onde nunca foram utilizados, como a Antártida. As novas variedades de plantas melhoradas no âmbito do modelo químico-mecânico são, em geral, muito produtivas. Mas este potencial produtivo apenas se manifesta quando estas plantas estão integradas em agroecossistemas profundamente modificados, em que encontram água e nutrientes em abundância e um ambiente asséptico em que pragas, doenças e outras plantas competidoras estão suprimidas pela utilização sistemática de pesticidas. Os agroecossistemas tocados pelo modelo químico-mecânico estão hoje profundamente modificados. São mais produtivos, em termos de produção de alimentos por hectare, mas também mais dependentes do subsídio energético exterior para assegurar o seu próprio funcionamento e estabilidade.

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