o Alentejo e a Beira Baixa no início do século XIX 121 II. A Beira Baixa A Beira Baixa é «província charneira», com uma considerável extensão de incultos, charnecas com extensos matagais, por causa do relevo e do isolamento, por carência e condições precárias das estradas. Existiam montados de azinheira e sobreiros, em mau estado. Estas terras, designadas equivocamente por maninhos, podem ser comuns ou particulares, mas de fruição coletiva e tanto podem estar efetivamente incultos como ter culturas episódicas, de que se pagava foro modesto. Não podiam ser aforados sem consentimento dos povos, mesmo quando particulares, e garantiam mato para estrume e pasto para gados. Em rotações muito largas a charneca era arroteada pela derruba e queima, para centeio, mas principalmente eram importantes pelo pasto, incluindo bolota, mesmo no sobreiro, sendo a cortiça pouco importante e tirada por qualquer um, para fazer cortiços de abelhas ou utensílios domésticos. Tinha-se uma pequena área de policultura intensiva em torno das povoações, com horta, vinhas, olivais e com muros para proteger do gado. A cultura extensiva tinha um afolhamento: 1 – pão, 2 – relva e 3 – alqueive. O pão era centeio e não trigo, que só se generalizou após a Primeira Guerra Mundial. Montados, olivais, soutos e até vinhas (também sujeitos à servidão dos pastos comuns) eram raros numa economia dominada pelo cereal e a criação de gado. Muito relevantes eram os pastos comuns, uma autêntica «instituição», com «direito» próprio. Individualismo e coletivismo agrário coexistiam e defrontavam-se nesta região, herança da força dos usos tradicionais. Era uma oposição entre usufrutuários de um bem comum e os que se orientavam mais para uma produção de tipo capitalista, logo mais complexa do que a que existia entre agricultores e criadores, ou entre ricos e pobres. Sendo usual a servidão dos pastos comuns, havia a interdição de tapar (vedar), o afolhamento obrigatório, como face mais aparente da estrutura agrária que fazia dos senhores da terra não proprietários no sentido moderno, mas apenas detentores da folha do cereal. Coexistia, porém, uma outra face: por um lado, as tapadas onde o direito de propriedade se exercia plena e livremente, por outro, as culturas episódicas, com a roça do mato, a queimada e a sementeira. Os três elementos do sistema agrário, as aldeias, com a cinta de policultura, que ocupavam o centro, o campo, terras cerealíferas, e a charneca, coexistiram até à apropriação geral das terras, no começo do século XX, pelos grandes proprietários. Note-se que a oposição Campo-Charneca tende a ser uma oposição granito-xisto (com solos esqueléticos). III. O Alentejo O Alentejo é, como a Andaluzia ou a Sicília, país de latifúndios cerealíferos e de pastoreio extensivo – a especialização das terras mediterrâneas pouco povoadas. Falava-se da miragem do regadio (de quê e por que preço?). A avaliação da superfície cultivada é incerta, de apenas um quinto a quase metade, incluindo enormes extensões de montado, muito irregularmente semeado. Todas as descrições insistem no tamanho e desolação das charnecas e no persistente vazio humano, onde abundavam lobos, javalis e veados. Havia baldios nas serras de Portalegre, Marvão e Castelo de Vide, incultos ou semeados a cada seis ou oito anos. Em torno de Elvas e Estremoz estavam as melhores terras do Alto Alentejo, campos limpos (sem montado) com produção abundante de trigo, cevada e centeio. Moura, Serpa e Beja têm as melhores terras, mas com predomínio da economia pastoril, em que o gado é apascentado nos baldios muitos extensos em Moura e Serpa. Abundavam charnecas e brenhas particularmente selvagens. As serras que separam do Algarve eram uma região desolada com extensos incultos, que iam de 60% da área, no Baixo Alentejo, até 90%, na Serra Algarvia. Uma imensa área de maninhos, coberta de sobreiros, azinheiras, carvalhos e toda a sorte de mato. Existiam todas as transições possíveis entre charneca e chaparral, às vezes impenetráveis, e montados, mais ou menos limpos, onde os porcos iam à bolota e se faziam culturas de cereais. Faziam-se roças, culturas episódicas precedidas de queimadas, originando
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