Cultivar_31

As Guerras do Trigo – uma história geopolítica dos cereais 127 Em dezembro de 1863, Peter H. Watson e David Dows criaram um novo mecanismo que viria a alterar o fluxo de cereais: um mercado de futuros9 que poderia levar aveia e cereais aos soldados posicionados a milhares de quilómetros de distância e proporcionar proteção contra oscilações nos preços das mercadorias. “Estava em construção um novo império baseado na exportação de trigo”. O conceito de contrato a prazo relativo a mercadorias em que as partes acordavam uma entrega futura, um preço fixo em quantidade fixa, já existia havia décadas, mas o contrato de futuros do exército americano apresentava a vantagem de que o comprador e o vendedor podiam ser anónimos. Uma vez terminada a Guerra Civil Americana, a construção de uma rota logística civil para fornecer bens ao mundo tornou-se uma prioridade política para os negociantes e os administradores de companhias de caminho-de-ferro que vieram a herdar as infraestruturas do Exército da União. “A América estava agora em condições de competir com a Rússia enquanto principal centro cerealífero do mundo, desde que o custo do transporte de cereais descesse.” A partir de 1866, as empresas mercantes cerealíferas passariam a controlar os cereais transportados em larga escala entre os Estados Unidos e a Europa, que importava os cereais americanos de baixo custo, alterando-se o equilíbrio mundial. Os preços dos cereais nas cidades europeias desceram cerca de 40 por cento entre 1870 e 1900 – a maior queda de longo prazo no preço dos alimentos de que há registo10. A redução dos preços dos transportes produziu efeitos secundários consideráveis, para além dos aspetos financeiros e comerciais, destacando-se os fluxos demográficos em que, durante as quatro décadas seguintes, mais de 30 milhões de europeus atravessaram o Atlântico rumo às Américas, no sentido inverso ao dos cereais. 9 Os economistas salientam que o mercado de futuros funciona como uma espécie de banco para cereais ou qualquer outra mercadoria, proporcionando um contrato de futuros uma “taxa de rendimento” comparável a um saldo de conta bancária, porque o contrato era imediatamente vendável num mercado com liquidez. 10 Wihelm Abel, Agricultural Fluctuations in Europe from the Thirteenth to the Twentieth Centuries, Nova Iorque, St. Martin’s Press, 1980 Entre a década de 1870 e a de 1970, os comerciantes internacionais de cereais, para fazerem face às alterações dos respetivos preços, investiram milhões na recolha de informação e nas integrações a montante e a jusante, nomeadamente com refinarias e fábricas de processamento. Os fluxos de cereais internacionais fizeram de Antuérpia um porto de importação e reexportação de cereais para grande parte da Europa e conduziram à expansão da indústria que exportaria produtos transformados, nomeadamente alimentares, para o resto do mundo. Mas os cereais americanos baratos ameaçavam também reduzir o preço do arrendamento rural na região campestre europeia. “Os efeitos a longo prazo dos Trilhos Negros que ligavam os produtores aos consumidores de cereais, provocariam, em apenas alguns anos, uma crise agrária na Europa”, com as propriedades fundiárias na Europa a serem as primeiras a ceder. Quando os Estados industriais impuseram tarifas, na década de 1880, para protegerem os agricultores europeus do trigo barato e construir o seu estatuto de grandes potências, os impérios agrícolas sofreram o seu pior, atingidos pelo efeito combinado da concorrência americana e das tarifas europeias. Os impérios agrários, após 1905, enfrentaram a ameaça de construção lenta que todos os impérios enfrentavam: dependência de alimentos externos, fuga de capitais, instabilidade financeira e, por fim, a revolução. À medida que os padrões de comercialização de cereais se alteravam em todo o mundo, o mercado de crédito dos mercadores passou a ser instável e as margens de lucro de cultivo esbatiam-se. O financiamento da produção alimentar mudou depois da grande crise dos cereais em 1873 e expandiu-se um novo sistema de linhas de crédito de cereais, o qual dependia dos comerciantes de cereais que utilizavam o mercado de futuros. Para além da segurança de preços, o mercado de futuros americano

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