Cultivar_31

98 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro podas ajustadas à instalação de rega desde o início. Logicamente que o inverso não será possível, já que um pomar ou uma vinha que estejam habituados a ser regados e o deixem de ser não terão capacidade radicular para dar resposta às necessidades da planta e definharão muito rapidamente. Convirá abrir aqui um primeiro parêntesis para sublinhar que uma vinha ou um pomar obriga a um investimento que tem de fazer sentido a 25 ou 30 anos, devendo assegurar as suas sustentabilidades em tal período. Outros Estados-Membros da União Europeia terão muito superior percentagem de culturas anuais, pelo que poderão ajustar-se de forma mais rápida a alterações oriundas da Política Agrícola Comum (PAC) ou dos mercados. Quem investe nestes setores tem de ter uma segurança para várias décadas, ou, como no caso de alguns olivais, mais ainda. Por esse motivo, tendo Portugal extensões percentualmente muito significativas destas culturas, terá de ter particular atenção às mudanças que se venham a verificar. No setor vitivinícola, estas questões colocam-se, no entanto, com particular acuidade, já que a política de qualidade seguida por muitas empresas obriga a alguma estabilidade nas produções relativas das diversas castas. Suponhamos que determinado produtor possui uma marca (e esta faz parte do património da empresa, por vezes de forma muito significativa), que habituou os consumidores a um determinado perfil de vinho obtido com 1/3 de Touriga, 1/3 de Alicante Bouschet e 1/3 de Trincadeira. Dado que todas as castas reagem diferentemente a alterações das condições, normal será que as formas de adaptação destas castas sejam distintas, o que conduzirá a alterações no perfil tradicional daquela marca, podendo afastar consumidores fidelizados à marca. Por este motivo, ligado a toda a política de qualidade do vinho, o estabilizar de características do produto final, só possível com recurso ao uso eficiente da água, é igualmente uma prioridade. Enquadrada que está a questão específica para o setor vitivinícola, coloca-se a pergunta sobre a forma de atuação no sentido de mitigar os problemas referidos, abrindo, no entanto, um segundo parêntesis para lembrar que a legislação nacional e os Atos de Adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE) proibiam a rega da vinha (seguramente que a CEE temia mais o aumento da produção em Espanha do que a nossa, mas a adesão simultânea a tal conduziu). Eventuais autorizações pontuais seriam dadas caso a caso, podendo referir que, na ocasião e nas minhas funções, autorizei todos os pedidos que me chegaram. Agora, na minha opinião, o paradigma da altura terá então de ser completamente revisto, e em sentido diametralmente oposto. Desta forma, no que se refere às vinhas já existentes e plantadas em situações de sequeiro, haverá que as manter tanto quanto possível, existindo para tal organizações que prestam aconselhamento técnico e que propuseram soluções pontualmente interessantes, mas impossíveis de generalizar. Tantas exceções a esta regra podem ser aqui referidas, como algumas vinhas ainda em consociação no Minho, algumas na Lezíria do Tejo com lençol freático muito pouco profundo, outras nas ilhas com regime de chuvas com distribuição mais uniforme, etc., demonstrando que a melhor forma de decidir terá sempre de ser a apreciação tecnicamente sustentada de cada caso, dentro de um quadro genérico em mudança. Restará, portanto, ser criterioso logo na plantação e instalação da vinha, o que, ao contrário do legislado há quatro décadas, deverá passar por uma prioridade à rega da vinha, aceitando-se o sequeiro em situações justificadas e aceites pelas entidades certificadoras. No restante, e estando abundantemente estudado há dezenas de anos o efeito da rega na qualidade do vinho, deverão igualmente estas entidades ser chamadas a definir, regionalmente e por casta, datas-limite de rega e dotações de rega, de forma que a instalação do sistema de rega conduza a uma utilização mais sustentável do fator água, nas três vertentes habitualmente consideradas.

RkJQdWJsaXNoZXIy MTgxOTE4Nw==