Cultivar_4_Tecnologia

Glifosato, transgénicos e (falta de) precaução 43 Ainda mais inexplicável foi a preferência do BfR por estudos secretos da indústria (isto é, não publica- dos e indisponíveis para confronto independente) em detrimento de artigos acessíveis na literatura científica e conformes aos protocolos de investi- gação em vigor. Estas e outras astúcias – como por exemplo elencar um trabalho na tabela inicial de síntese da literatura mas depois simplesmente ignorá-lo durante a análise detalhada dos dados – permitiram ao BfR, segundo os mesmos auto- res, concluir pelo que a indústria mais pretendia ouvir. Admitindo que faltou independência ao parecer do BfR, outros níveis de salvaguarda estão previstos que poderiam ter retificado a falha. Na fase, por exemplo, da arbitragem pela EFSA. O que é que se passa nesta agência? O mais detalhado levan- tamento de conflitos de interesse entre as cente- nas de cientistas que trabalham para a EFSA foi publicado em 2013 e verificou que, em média, 58% têm ligações diretas ou indiretas às indústrias cujos produtos estão a avaliar. 18 No caso do painel que avalia pesticidas e seus resíduos a média é 62%: 13 dos 21 membros (à data) não eram independentes dos interesses económicos das empresas relevantes. Estas conexões nefastas foram sucessivamente cri- ticadas pelo Parlamento Europeu e pelo Provedor Europeu mas isso não impediu a EFSA de, já este ano, ter ido buscar diretamente a um lóbi alimentar inglês a sua nova diretora de comunicação. Outro caso visível foi o de Diána Bánáti, presidente do conselho de administração da EFSA durante vários anos e que, antes e depois desse período, traba- lhou para o ILSI – uma estrutura financiada pela indústria alimentar, farmacêutica, dos pesticidas e 18 ( www.corporateeurope.org/sites/default/files/attach- ments/unhappy_meal_report_23_10_2013.pdf) dos transgénicos. 19 Numerosíssimos outros casos de «portas giratórias» em posições cruciais da EFSA poderiam ser citados mas o cerne não muda: a ero- são da integridade institucional está instalada e basta querer para ver. Quem defende os portugueses? Os portugueses poderiam esperar – e seria razoá- vel acreditarem – numa última linha de defesa: a do seu próprio Ministério da Agricultura, através da Direção Geral de Alimentação e Veterinária que representa o país no comité especializado perante quem a Comissão Europeia apresentou a proposta de reautorização do glifosato. No entanto as infor- mações disponíveis indicam que Portugal se posi- cionou a favor dessa medida (a votação em si não chegou a ter lugar) – num alinhamento que se man- tém ao longo de sucessivos governos. Em entrevista ao jornal Expresso de março de 2016 a DGAV deixa claro que discorda da OMS e se iden- tifica com a EFSA, a Comissão Europeia e...a Glypho- sate Task Force . Só para os mais distraídos poderia parecer inocente a decisão de concordar com a indús- tria em detrimento de um painel de cientistas inde- pendentes cuja classifica- ção para o glifosato maxi- miza a proteção da saúde e do ambiente. Conside- rando que a DGAV não é uma estrutura científica, não parece sequer curial que se permita emitir avaliações quanto à qua- lidade relativa dos vários pareceres em jogo com base em argumentos científicos. Uma discussão política, essa, seria apropriada e bem-vinda. Dese- javelmente tomaria a forma do Princípio da Precau- ção: enquanto a ciência não falar a uma só voz, as opções mais cautelosas são as que melhor servem os interesses da sociedade. 19 ( www.ilsi.org/Documents/Members.pdf) Uma discussão política, essa, seria apropriada e bem-vinda. Desejavelmente tomaria a forma do Princípio da Precaução: enquanto a ciência não falar a uma só voz, as opções mais cautelosas são as que melhor servem os interesses da sociedade.

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