Cultivar_8_Digital

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 8 JUNHO 2017 68 excessiva higienização da decisão sobre a recolha de cadáveres na sequência do episódio das “vacas loucas”, independentemente do efeito que tal teria sobre outras espécies e ainda que estas não corres- sem riscos de saúde com potenciais animais infe- tados. Esta atitude permite-nos também ilustrar o que anteriormente dissemos, ou seja, a existência de uma certa discriminação negativa em relação à natureza baseada em desconhecimento. O forte empenho da LPN, com a colaboração de técni- cos da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que no cumprimento do protocolo de segu- rança da BSE que referimos exigia processos muito rigorosos de licenciamento desses campos, resul- tou no reconhecimento de que o fim em vista era inteiramente compatível com uma atitude mais fle- xível e adaptada à conservação dos abutres. É bem conhecida, até internacionalmente, a expe- riência bem-sucedida de gestão de uma área da Rede Natura, porventura a única com uma ges- tão que inclui os objetivos de classificação para os quais estas áreas foram criadas: a Zona de Proteção Especial (ZPE) de Castro Verde. Nesta zona, mercê de um entendimento e de uma cooperação conso- lidados ao longo de duas décadas entre agriculto- res e conservacionistas da LPN, foi possível recu- perar as populações de aves estepárias e construir um exemplo demonstrativo de como se pode com- patibilizar, naturalmente com a procura de soluções com mútuas vantagens, a agricultura e a conser- vação da natureza. Claro que é muito importante destacar que, para além da vontade dos stakehol- ders , o que só por si é “meio caminho andado”, os resultados são fruto de uma continuada e acertada medida de política de apoio aos agricultores, remu- nerando-lhes de forma indireta o bom serviço que prestam à conservação de espécies com estado de conservação degradado. Esta situação não será a única ocorrida com efeitos positivos, mas porque as outras de alguma forma foram descontinuadas, deformadas, nalguns casos até extintas, é em Castro Verde que temos o maior e mais duradouro testemunho de como a convergên- cia de políticas, utilizando meios de incentivo ou prémio adequados, permite obter resultados glo- bais significativos e sustentados para a conserva- ção de habitats e espécies ameaçadas, para uma agricultura com rendibilidade para os agricultores e para a boa gestão de um território com riscos de desertificação. As atividades nos territórios rurais são imprescindí- veis à conservação, e a agricultura é, naturalmente, a mais importante dessas atividades. Contudo, não podemos de forma generalizada dizer que toda a agricultura é boa para a natureza. Como sabe- mos e devemos reconhecer, a agricultura, no sen- tido vasto em que aqui a entendemos, é bastante impactante para o ambiente porque, embora não seja naturalmente a única a fazê-lo, assenta na uti- lização dos mais importantes recursos naturais não renováveis. Além disso, há a considerar os seus efei- tos diretos na emissão de gases para a atmosfera e o que daí resulta, como os tempos mais recentes têm demonstrado e tornado mais evidente. Estamos conscientes de que a agricultura, ao con- trário de outras atividades de natureza económica, não pode nem deve ser substituída por formas de produção artificializadas ou de uso de matérias alternativas, pois deixaria, nomeadamente, de ter o efeito positivo que atualmente tem sobre a admi- nistração equilibrada de territórios desertificados. Contudo, duas vias terão que ser adotadas de forma concomitante: • Por um lado, o incremento de condicionantes, juntamente com um conjunto de incentivos de natureza diferenciadora da sustentabilidade no uso dos recursos (a maior que for possível, tendo como adquirido que será sempre desequilibrada), que penderão sobre agriculturas ou modos de produção agrícola e pecuária que determinem

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