CULTIVAR 9 - Gastronomia

Gastronomia portuguesa: heranças antigas, dinâmicas modernas 17 pelo montado, na qual essa revalorização, numa perspetiva tanto ambiental e cultural, quanto eco- nómica, se insere numa conceção destes espaços enquanto patrimónios multifuncionais e intergera- cionais. Esta valorização patrimonial só será eficaz se congregar tanto funções produtivas e funções cul- turais, quanto ambientais, recreativas, pedagógicas, simbólicas e estéticas. Destas, interessam-nos, particularmente, as que se relacionam com a cultura culinária rural, que é a base da cozinha familiar tradicional e que consti- tui uma das manifestações da identidade mediter- rânica, a melhor conhecer e preservar. Acresce que, se “a nossa cozinha é a paisagem posta na panela” 3 , a recuperação das cozinhas tradicionais e dos produtos alimentares que as consti- tuem é também uma forma de valorizar as especifici- dades do território e das suas paisagens. Estas, por sua vez, são o resultado da simbiose entre património natural e património cul- tural, através de uma pre- sença humana concertada com o equilíbrio ambiental. A paisagem contribui, pela sua singularidade, para a identidade local e reflete a história e a interação entre a população local e a natureza. Contém em si mesma muito do processo da produção alimentar e da sua evolução. Em Portugal, o montado é um dos sistemas que marca profundamente a paisagem dos territórios e que reflete a intervenção humana no seu entorno, com vista a responder a necessidades específicas. Trata-se de um sistema de utilização multifuncional e sustentada da paisagem do Sul e dos seus recursos 3 Josep Pla, citado por Santi Santamaria, 2008: 255, a pro- pósito das razões do declínio da cozinha tradicional catalã. – que integra formas de aproveitamento das árvo- res, sejam elas o sobreiro, a azinheira ou o pinheiro manso – e de produtos agroflorestais dos outros estratos da paisagem. Estes são constituídos por pastagens, matos, apicultura, exploração de plan- tas aromáticas e medicinais, bem como de cogu- melos silvestres, caça, entre outros. Integram-no, também, formas de povoamento próprias, que se estruturam em aldeias, em quintas, em quintinhas e montes nas herdades. Em todos se observa o apro- veitamento simultâneo dos recursos silvestres com os dos produtos das hortas e hortejos onde cres- cem espécies, autóctones e naturalizadas, com uso alimentar. Os saberes relacionados com a utiliza- ção destes recursos florestais e agroflorestais fazem parte do património cultu- ral e traduzem formas tradi- cionais de aproveitamento do património natural, que são também uma forma de gestão e de conservação da paisagem. Constituem-se como marcos de continui- dade da presença humana nesse espaço. Todos estes recursos são parte inte- grante da biodiversidade local, assim como da iden- tidade cultural e alimentar. É com este pano de fundo que colocamos em pri- meiro plano a atenção para recursos agroflorestais por vezes ignorados ou com pouca visibilidade nos processos de produção alimentar. Trata-se das plan- tas silvestres alimentares, de coleta espontânea, que crescem durante a Primavera. Também são desig- nadas, muitas vezes, por “plantas bravias” ou ervas daninhas das culturas. Destas, interessam-nos as que têm utilidade alimentar e nutricional 4 , às quais 4 No texto, por razões de comodidade de leitura, utilizamos indistintamente as designações de plantas silvestres ali- mentares, ervas silvestres alimentares ou plantas bravias comestíveis. … se “a nossa cozinha é a paisagem posta na panela”, a recuperação das cozinhas tradicionais e dos produtos alimentares que as constituem é também uma forma de valorizar as especificidades do território e das suas paisagens. Estas, por sua vez, são o resultado da simbiose entre património natural e património cultural, através de uma presença humana concertada com o equilíbrio ambiental.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw