CULTIVAR 9 - Gastronomia

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 9 SETEMBRO 2017 20 vestres comestíveis, em conjunto com a cultura de espécies autóctones de ervas aromáticas condimen- tares, através da criação de um núcleo pedagógico – um horto. A domesticação pode ser feita através da conservação ex-situ , ou seja, pela manutenção e/ou recuperação das espécies fora do seu habitat, mas sempre em condições ecológicas favoráveis. Um horto é o local ideal para este tipo de conser- vação, podendo também servir para ajudar a repo- voar os habitats naturais das plantas. Em suma, tratou-se de integrar as temáticas do património com as da con- servação da natureza, com a história agroflorestal e ainda com aspetos identi- tários da gastronomia. Desta experiência havia que extrair ilações e equacionar as interrogações que emer- giram. Estamos perante um processo complexo, cujo desafio maior é, afinal, refletir e organizar práticas e processos sociais, que articulem atores locais e que contribuam para um desenvolvimento seguro, do ponto de vista económico, social e ambiental. Con- cluímos que é possível fazê-lo, com base na temá- tica das plantas silvestres alimentares e das ervas aromáticas condimentares. Porém, como prosseguir com sustentabilidade? Será que a promoção do seu consumo pode, de alguma forma, contribuir para criar serviços locais que mantenham a dinâmica dos povoados rurais? A par da fixação de população, tor- na-se necessário discutir o investimento em ativida- des e serviços que respondam às necessidades de certos nichos de mercado, nomeadamente o prazer de passear, com a preservação das características ambientais e sociais dos locais que se visita e a auten- ticidade dos produtos disponíveis para o consumo. A paisagem e os seus recursos naturais e patrimo- niais estão no centro de atividades de redesco- berta e interpretação do território, correspondendo a novas práticas de lazer, ligadas ao turismo cultu- ral, gastronómico e de natureza em espaço rural. E não só. Isto porque as tendências globais, o desejo crescente de aproximação à natureza, de “retorno à terra” se podem consubstanciar também em outras práticas de lazer urbanas. Ou seja, as tradições da cozinha mediterrânica podem ser vivenciadas no meio urbano, através da experimentação das prá- ticas culinárias que lhe são inerentes, como men- cionámos anteriormente. E é, precisamente, no meio urbano que mais se con- somem, atualmente, estas ervas silvestres alimentares, que se integram nas práti- cas culinárias mediterrâni- cas do passado. No contexto desta experiên- cia, a estruturação de inicia- tivas de divulgação, tendo como elemento central a gastronomia, em articula- ção com a natureza e o património, implicou, antes de mais, a necessidade de conhecer o património rural que forjou a identidade alimentar local, trans- formando-a num potencial de atração turística e num valor económico. Constatámos que as recordações das pessoas sobre estas matérias eram indissociáveis da sua história de vida, dos ciclos de trabalho nos campos, em geral, e no montado, em particular. As próprias lembranças da paisagem, do montado e das comidas surgiam como uma memória integrada, traduzida em teste- munhos de uma grande riqueza e sabedoria e que refletiam ainda o conjunto de mudanças que se fize- ram sentir naquele território. No futuro, será necessário encontrar fórmulas para partilhar bens escassos (água potável, solo ará- vel, energia), o que exigirá práticas e condutas regi- das pela ética, pela partilha e pela generosidade. O O grande desafio será o de inventar uma nova ética, assente na partilha de responsabilidades, na equidade dos recursos alimentares, dos bens de produção. Nesta lógica, é já consensual o papel primordial da educação, para a tomada de consciência da problemática alimentar, bem como dos problemas ambientais, globais e locais, com vista à responsabilização individual, face ao consumo alimentar, e a uma mudança de atitudes.

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