CULTIVAR 9 - Gastronomia

A diferenciação no setor cerealífero aliada à panificação artesanal 49 O nosso processo de moa- gem representa também a conservação de um saber antigo, que remonta há já alguns milhares de anos. Não o fazemos sobre a forma de um fóssil, estático e imutável, mas atribuímos-lhe vida e evolução. Os moinhos de pedra foram substituídos pelos moder- nos moinhos de cilindros, por uma questão de con- veniência, capacidade de produção e eficiência e não por uma questão de qualidade. A farinha pas- sou a ser definida de acordo com parâmetros muito específicos, num mercado cerealífero extremamente globalizado, que deixa pouco espaço para a mais ténue diferenciação. Novamente, volto a reforçar que não sou contra a modernidade. Os moinhos de cilin- dros foram uma ótima invenção. A farinha que deles resulta é muito mais estável e uniforme, sendo que, por se conseguir fazer uma separação muito mais eficiente entre as partes perecíveis do grão (farelo e gérmen, ricos em ácidos gordos insaturados) e o endosperma, a farinha tem um tempo de vida muito maior. Assim, é possível con- cluir que a evolução tendeu para onde tinha que ten- der, sendo que tal farinha assenta como uma luva à generalidade do presente. Mas, novamente, venho pregar que há espaço para os moinhos de mós de pedra numa ótica de dife- renciação por qualidade e conservação de patrimó- nio tecnológico. Porque, sendo um sistema tecno- lógico mais simples e menos eficiente, leva a uma indústria de menor escala, que permite a fantás- tica exploração do nosso património genético cerea- lífero, criando-se farinhas verdadeiramente únicas. E estas são a base do pão, em conjunto com o sal e a água. No entanto, é a fermentação que transporta o pão para uma outra dimensão, transformando-o intrinsecamente. A fermentação natural para um pão de excecional qualidade organolética e nutricional A fermentação natural é um fenómeno complexo que envolve uma grande diversidade de microorganis- mos, ao contrário da fermentação convencional que é levada a cabo por uma única espécie de leveduras chamada Saccharomyces cerevisiae [6]. No segundo caso, a transformação é simples: as leveduras ali- mentam-se dos açúcares presentes na massa, pro- duzindo, consequentemente, um pouco de álcool e muito dióxido de carbono. Estas leveduras foram sele- cionadas para fazerem tal trabalho de forma rápida e sem desvios [6]. Por outro lado, a fermenta- ção natural é não só alcoó- lica, mas também lática, envolvendo a degradação de inúmeros compostos presentes no pão, para além dos açúcares. Este pro- cesso, levado a cabo por enzimas tanto endógenas como sintetizadas pelos microorganismos, tem uma grande influência na complexidade e qualidade aro- mática do pão, visto que os compostos de menor peso molecular resultantes da degradação enzimá- tica são mais saborosos que os grandes compostos que lhes deram origem [7]. Basta pensar, por exem- plo, no caso do amido, que na sua forma pura é ino- doro e sem sabor. Este hidrato de carbono complexo não é nada mais do que moléculas de glucose liga- das entre si, sendo que estas são, como todos sabe- O nosso processo de moagem representa também a conservação de um saber antigo, que remonta há já alguns milhares de anos. a fermentação natural é não só alcoólica, mas também lática, envolvendo a degradação de inúmeros compostos presentes no pão, para além dos açúcares. Este processo …tem uma grande influência na complexidade e qualidade aromática do pão… Figura 2: Moagem na Gleba Fonte: Gleba – Moagem e Padaria

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