CULTIVAR 9 - Gastronomia

Sobre “O Terceiro Prato – Notas sobre o Futuro da Alimentação” de Dan Barber 93 sustentabilidade de um sistema agrícola, ditando simultaneamente o potencial de sabor. Trata-se, assim, de comer/cozinhar toda a explo- ração agrícola da mesma forma que se deverá comer/utilizar todo o animal, de comer aquilo que a alimentação “industrial” nos foi desabituando de comer e de alterar a arquitetura do prato. E não será necessário reinventar a roda, mas apenas recu- perar e tornar mais eficientes certos sistemas agrí- colas tradicionais, que foram sendo abandonados em nome de uma produtividade afinal enganosa. O que Barber diz é que esta mudança na agricul- tura tem de passar pela maneira como comemos. O tipo de agricultura de que precisamos não pode ser sustentável se as nossas dietas não utilizarem toda a diversidade que ela oferece, nem se se man- tiverem certas tendências atuais, de consumo cres- cente de carne, por exemplo, ou ainda de utilização de cereais como ração. É preciso incentivar as die- tas que refletem o que um sistema agrícola susten- tável oferece. É isso que o Terceiro Prato significa: comer a paisagem. Para Dan Barber, o futuro da alimentação, e a única forma de alimentar um planeta com uma popula- ção crescente, é apostar nesta agricultura diversifi- cada e comuma visão global da exploração agrícola, integrando a produção vegetal e animal com uma gestão sustentável do solo. Este tipo de agricultura não só é essencial do ponto de vista ambiental e numa perspetiva de longo prazo, mas também per- mite ultrapassar frequentemente a produtividade de sistemas de monocultura que recorrem exclu- sivamente a produtos químicos, muito comuns em países como os Estados Unidos. As fronteiras entre cozinheiro, agricultor e consu- midor vão-se esbatendo à medida que se difunde a ideia de que aquilo que comemos começa muito antes de chegar à cozinha. O papel dos chefs e dos consumidores será o de incentivarem os produtores e os cientistas a produzirem comida saudável, “ ver- dadeiramente deliciosa ” (uma expressão que Bar- ber utiliza com frequência) e nutritiva. A tarefa de otimizar o sabor, promover o ambiente e desenvol- ver a economia é uma responsabilidade de todos. “ A ciência ensina-nos que a resposta para compreen- der a complexidade de alguma coisa é decompô- -la nas suas componentes. À semelhança da cozi- nha convencional, insiste que as coisas têm de ser medidas e pesadas com precisão. Mas as interações e as relações ( …), aquilo a que chamamos ecolo- gia – não podem ser medidas nem pesadas .” (p.20) “ A nossa convicção de que podemos criar uma dieta sustentável escolhendo a dedo os melhores ingre- dientes está errada. Porque tem uma visão estreita das coisas. Não podemos pensar em mudar partes do sistema. Temos de pensar em redesenhar o sis- tema .” (p.21) “ A atual cultura alimentar deu aos chefs uma plata- forma de influência, incluindo o poder, senão o luxo, de inovarem. Enquanto árbitros do gosto, podemos ajudar a inspirar um Terceiro Prato, uma nova forma de comer que junte todas as peças .” (p.22) Embora difícil, Barber adianta que a tarefa é intui- tiva, porque “ como as histórias deste livro sugerem, ela assume sempre a forma de comida deliciosa. O sabor verdadeiramente fantástico – aquele que nos deixa pura e simplesmente de queixo caído – é uma lente poderosa para o mundo natural, porque o sabor penetra através de coisas delicadas que não conseguimos ver nem apreender. O sabor é um pro- feta, um revelador do essencial. E pode ser um guia na reinvenção do nosso sistema alimentar e das nos- sas dietas desde a base .” (p.22) O livro está dividido em quatro partes, com uma Introdução e um Epílogo: • Parte I – Solo – Ver com olhos de ver , onde Bar- ber faz uma breve história da agricultura e do solo (e uma história do trigo) nos EUA, na segunda metade do século XX, altura em que a produti- vidades crescentes corresponderam problemas

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