CULTIVAR 26 - Agricultura biológica e outros modos de produção sustentável

98 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 26 SETEMBRO 2022 – Agricultura biológica e outros modos de produção sustentável Os sistemas alimentares necessitam de sofrer uma transformação profunda para permitir a realização da Agenda 2030 e enfrentar desafios multidimen- sionais complexos motivados por uma população e urbanização em crescimento, e por alterações cli- máticas, que aumentam a pressão sobre os recursos naturais, solo, água e biodiversidade. Essa transfor- mação necessária deverá afetar profundamente o que a humanidade come, bem como a forma como os alimentos são produzidos, processados, trans- portados e vendidos. Nesse contexto, o Comité das Nações Unidas para a Segurança Alimentar Mundial (CFS) solicitou ao HLPE-FSN a produção de um rela- tório sobre esta matéria. A agroecologia é um conceito dinâmico que ganhou destaque nas áreas científica e agrícola, assim como no discurso político nos últimos anos. É divulgada como capaz de contribuir para transformar os sis- temas alimentares, aplicando princípios ecológi- cos à agricultura para garantir um uso regenerativo dos recursos naturais e serviços de ecossistema. Ao mesmo tempo, preconiza a necessidade de siste- mas alimentares socialmente equitativos dentro dos quais há liberdade de escolha sobre o que queremos comer e como e onde os alimentos são produzidos. A denominação “Agroecologia” reúne em si uma ciência, um conjunto de práticas e um movimento social. Constitui um domínio transdisciplinar que cobre as dimensões ecológica, sociocultural, tecno- lógica, económica e política dos sistemas alimenta- res, desde a produção ao consumo. As práticas agroecológicas visam manter e melhorar os processos biológicos e ecológicos na produção agrícola, a fim de reduzir o uso de fatores de produ- ção adquiridos fora da exploração agrícola, nomea- damente combustíveis fósseis e agroquímicos, e criar agroecossistemas mais diversos, resilientes e produtivos. Os sistemas agroecológicos privilegiam: a diversificação; as culturas mistas; a rotação e as culturas intercalares; as misturas de cultivares; as técnicas de gestão de habitats para favorecer a biodi- versidade associada às culturas; a luta biológica inte- grada para o controle de pragas e doenças tirando o maior partido dos serviços de ecologia; a melhoria da estrutura e saúde do solo; a fixação biológica de azoto e a reciclagem de nutrientes, de energia e de resíduos. No entanto, não há um conjunto bem claro de prá- ticas de referência que possam ser rotuladas como agroecológicas, nem uma fronteira universalmente definida e consensual entre o que é agroecológico e o que não é. As práticas agrícolas podem, porém, ser classificadas numa escala que determina em que medida os princípios agroecológicos são aplicáveis a nível local. Em termos concretos, procura-se evi- denciar se estas práticas: (i) dependem de proces- sos ecológicos em oposição ao uso de fatores de produção comerciais; (ii) são equitativos, amigos do ambiente, adaptados às condições locais e contro- lados; e (iii) adotam uma abordagem sistémica que está empenhada na gestão das interações entre os diversos elementos, em vez de se limitar apenas à aplicação de técnicas específicas. A agroecologia tornou-se um quadro político gene- ralizado sob o qual muitos movimentos e organiza- ções camponesas, à escala mundial, reivindicam os seus direitos coletivos e defendem uma diversidade de sistemas agrícolas e alimentares adaptados local- mente, sendo aplicado principalmente por peque- nos produtores. Estes movimentos sociais destacam a necessidade de uma forte conexão entre a agroeco- logia, o direito à alimentação e a soberania alimen- tar, apresentando a agroecologia como uma batalha política pela qual cada um deve desafiar, questionar e transformar as estruturas de poder na sociedade. O HLPE-FSN propõe um conjunto conciso e con- solidado de 13 princípios agroecológicos ligados aos temas seguintes: 1-reciclagem; 2-redução do uso de fatores de produção comerciais; 3-saúde do solo; 4-saúde e bem-estar animal; 5-biodiversidade; 6-efeitos de sinergia (gestão de interações); 7-diversi- ficação económica; 8-produção conjunta de conheci- mento (abarcando conhecimento local e tradicional e conhecimento científico global); 9-valores sociais e tipos de alimentação; 10-equidade; 11-conectivi- dade; 12-governança das terras e dos recursos natu- rais; e 13-ampla participação.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw