Solo, cozinha e mesa: cinco “receitas” para quatro questões
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réu, lula, atum, abrótea…) e a adequação a este
tipo de preparação culinária. Foi também possível
criar uma logística eficiente de abastecimento dos
produtos selecionados e encontrar uma boa equipa
especializada, condições essenciais ao sucesso do
projeto.
Malpica do Tejo fica a cerca de 20 km de Castelo
Branco e é a terra da família de João Pereira. Em
1998, numa altura em que grande parte dos peque-
nos lagares tradicionais se viram ameaçados, um
conjunto de naturais de Malpica resolveu investir
na modernização do lagar da aldeia, revitalizando
simultaneamente a cooperativa existente. A ativi-
dade gerada tem sido importante nas dinâmicas
migratórias sazonais, que assim se estendem para
além dos períodos habituais do Natal, Páscoa e mês
de agosto. Na época da colheita da azeitona, uma
população de 500 residentes passa para cerca de
2 500, não só assegurando a mão-de-obra necessá-
ria, mas também alimentando uma rede de entrea-
juda e interação social e assim combatendo o aban-
dono de terras.
“Há aqui, mais do que uma racionalidade econó-
mica, uma racionalidade social.”
Na sequência da reativação do lagar, e de outras
ideias de dinamização das festas e romarias locais,
surgiu o projeto de criar uma tasca com a gastrono-
mia tradicional da região. Para a sua concretização,
foi feita uma recolha de receitas culinárias junto da
geração mais velha, utilizando como matéria-prima
produtos locais, como o azeite e a azeitona, quei-
jos, pão (e bica de azeite), enchidos (em particular,
bucho de ossos), e ainda caça (javali e veado), peixe
e lagostins do rio, tortulhos, figos da Índia. O menu
da
Maria Faia
inclui, por exemplo, sopa da boda,
um prato tradicional à base de carne de cabra que
nem mesmo as gerações mais velhas se lembram
de comer em tempos recentes.
1. “Os nossos projetos baseiam-se precisamente
em juntar aquilo que são os nossos ingredien-
tes e as nossas tradições e dar-lhes uma nova
roupagem, sem perder autenticidade. (…) São
duas realidades completamente diferentes, uma
no centro de Lisboa, outra numa aldeia sem
saída da Beira Baixa, mas a filosofia é a mesma:
aproveitar aquilo que é nosso, a nossa portuga-
lidade.”
2. No
Kampai
, os clientes, que incluem a embai-
xada do Japão, membros da comunidade japo-
nesa em Lisboa ou a Associação de Amizade
Portugal-Japão, têm oportunidade de provar
peixes e outros produtos de grande qualidade
que não comem habitualmente e estão dispos-
tos a pagar por isso.
3. Todo o trabalho desenvolvido nestes projetos
tem por base uma relação muito estreita entre
produção e restauração. A ligação à investiga-
ção foi útil na revitalização do lagar de Malpica
e está sempre presente no trabalho da TerraPro-
jetos.
4. Os dois casos são exemplo de que há lugar,
simultaneamente, para os nichos de mercado e
para uma divulgação mais alargada da gastro-
nomia portuguesa.
Gonçalo Bagulho Albino
[
depoimento recolhido ao
vivo
]
BI
: Gonçalo Bagulho Albino, 39 anos, diretor comer-
cial da DOP Carnalentejana
O Agrupamento de Produtores de Bovinos da
Raça Alentejana, detentor da marca Carnalente-
jana, Denominação de Origem Protegida (DOP),
está agora a fazer 25 anos: nasceu em 1992 com
33 elementos, por iniciativa de Fernando Carpin-
teiro Albino. Nessa altura, a raça pura Alentejana
estava em declínio, com apenas 3 mil fêmeas inscri-
tas no respetivo Livro Genealógico. Hoje, são quase
18 mil fêmeas inscritas, 13 500 das quais perten-
cem ao Agrupamento, que já reúne 148 produto-
res – o maior agrupamento nacional em produção
extensiva.