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Gastronomia portuguesa: heranças antigas, dinâmicas modernas

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Tradições alimentares e gastronomias

locais

Depois de termos assistido à desertificação dos cam-

pos, ao êxodo para as cidades, em busca de uma

vida melhor, essa natureza deixada para trás tor-

nou-se alvo de novos olhares. A paisagem de recur-

sos tangíveis – arvoredo, plantas, recursos alimenta-

res, comunidades, horizontes –, habitada por outros

tantos contornos intangíveis – cultura oral, sabe-

res, modos de ser –, é classificada como patrimó-

nio a preservar e a valorizar. Reconhecidos como

endógenos, estes recursos podem ser geradores de

novas dinâmicas de desenvolvimento local, nomea-

damente quando integrados em práticas de lazer,

que articulem entre si a fruição da natureza e das

alimentações tradicionais. Aliás, a crescente interde-

pendência da trilogia referida de natureza, gastrono-

mia e lazer no processo de

valorização dos territórios

rurais equaciona a necessi-

dade de conceber projetos

ou estratégias de desenvol-

vimento multifuncional e

integrado que potenciem a

atual atratividade das pai-

sagens, dos modos de vida

e dos recursos. Nestes últi-

mos, interessam-nos par-

ticularmente os recursos alimentares locais, bem

como os saberes que lhes estão associados. Uns

e outros consubstanciam as tradições alimentares

que deram lugar às gastronomias locais.

Num contexto de liberdade de escolha alimentar,

regressar às tradições é, atualmente, aceite como

uma prática gastronómica, razão pela qual se alar-

gou o âmbito do conceito, para apoiar dinâmicas

de valorização das tradições alimentares ancestrais

e genuínas de um território. Passou a generalizar-se

o uso da gastronomia local, sobretudo, quando se

trata de dinamizar as tradições alimentares. Toda-

via, estas dinâmicas ocorrem num contexto de declí-

nio crescente das cozinhas tradicionais, quer ao

nível dos procedimentos culinários, quer ao nível da

qualidade dos produtos que lhe conferem a especi-

ficidade.

Num momento em que tanto se fala da notorie-

dade do modelo alimentar mediterrânico, aquele

onde se inserem grande parte das nossas tradições,

apercebemo-nos de que, nas últimas três déca-

das, nos afastámos das suas principais característi-

cas, adotando aquilo que se convencionou designar

por “modelo de consumo alimentar ocidental”. Tal

mudança reflete-se tanto nas consequências para

a saúde individual, favorecendo o aparecimento

de doenças metabólicas degenerativas devido ao

grande aumento do consumo de alimentos ricos em

gorduras saturadas e açúcares, como na sustentabi-

lidade do mundo rural.

Conhecer os usos alimenta-

res tradicionais, divulgando

a importância da conserva-

ção e valorização das espé-

cies autóctones que lhes

conferem as especificida-

des, significa também con-

tribuir para a manutenção

da diversidade dos saberes

e das identidades gastro-

nómicas locais. Em última

análise, para as promover no contexto urbano como

soluções alimentares, simples, saudáveis e rápidas.

O interesse associado às cozinhas com base em

aromas e verduras frescas de qualidade manifesta

preocupações de natureza diversa por parte do con-

sumidor. Para além do prazer que sabores agradá-

veis proporcionam, aos quais se alia a promoção da

própria saúde, o interesse por este tipo de cozinhas

revela também o sentido de consumos alimentares

cujos modos de produção agrícola sejam amigos do

ambiente e contribuam para revitalizar a pequena

agricultura.

Neste quadro, reabilitar antigas práticas alimentares

tornou-se fonte de assumido interesse, quer para os

Passou a generalizar-se o uso da

gastronomia local, sobretudo, quando

se trata de dinamizar as tradições

alimentares. Todavia, estas dinâmicas

ocorrem num contexto de declínio

crescente das cozinhas tradicionais, quer

ao nível dos procedimentos culinários,

quer ao nível da qualidade dos produtos

que lhe conferem a especificidade.